Ciclismo

A dona do mundo quer brilhar no Rio

Por Bruno Vicari

É confortável para um atleta dizer que uma prova não é para suas características e assim diminuir a pressão sobre os seus resultados. Às vezes pode ser até uma estratégia para despistar os adversários. Porém, sabemos que os grandes campeões são ambiciosos e não temem ir para a briga. É o caso de Lizzie Armitstead. “Vencer a Olimpíada é meu objetivo”, repete insistentemente a atual campeã de mundo de estrada. De fato, o percurso da prova não é favorável à britânica. Mas a famosa — e até temida pelos profissionais — subida da Vista Chinesa está longe de servir de desculpa, mesmo não sendo ela uma escaladora nata.

Lizzie começou a pedalar aos 15 anos. Doze anos depois coleciona títulos com que jamais sonhou. “Não tinha muitos sonhos, mas agora tenho um bem claro: a medalha de ouro no Rio”, insiste a ciclista sem perder o foco. A fixação talvez tenha um motivo bem compreensível. Em 2012, na Olimpíada de Londres, o ouro literalmente escorreu por suas pernas, ao ser derrotada no sprint pela lendária Marianne Vos, em uma disputa debaixo de muito chuva.

Joia lapidada pelo governo britânico

Perder um sprint para a maior ciclista de todos os tempo faz parte do jogo. Mas formar um atleta jamais é em vão. Armitstead é o exemplo perfeito de que organização e planejamento são os primeiros passos a serem seguidos por uma nação que almeja ter sucesso nos Jogos disputados em sua casa. Logo que o talento foi identificado nas pernas da garotinha de Leeds (cidade localizada no norte da Inglaterra), ela passou a integrar o British Cycling’s Olympic Talent Team, programa criado pelo governo local em 2002 com o objetivo de buscar potenciais atletas para os Jogos de Londres. Lizzie foi descoberta em 2004, aos 14 anos, quando “olheiros” estiveram em sua escola. Meses depois, a garota entrou no Olympic Podium Programme. Era uma joia pronta para ser lapidada.

Numa espécie de “seleção permanente” baseada em Manchester, Lizzie começou a ser transformada em uma medalhista olímpica. Logo no ano seguinte já conquistou uma medalha de prata na prova de scratch do Mundial Júnior de Pista. Como profissional — entre 2009 e 2010 —, conquistou cinco medalhas em mundiais de pista, incluindo o ouro na perseguição por equipes em 2010.

Ainda em 2009, a inglesa começou a correr provas de estrada, até a mudança definitiva em 2011 — eventualmente Lizzie ainda compete no velódromo. Mais madura e no auge da forma física, a atleta explodiu. Vitórias em clássicas, provas por etapas, medalha olímpica e o título mundial. Nos últimos dois anos venceu a Copa do Mundo, competição em que as ciclistas vão acumulando os pontos das provas disputadas ao longo de toda a temporada.

Da mesma forma que um trabalho planejado a longo prazo transformou Lizzie em uma medalhista olímpica, hoje a ciclista formada em velódromo se organiza para mudar seu estilo: em apenas alguns meses ela deixará de ser a passista formada no velódromo para ser uma atleta capaz de brigar com as escaladoras no Rio. Alguém é capaz de duvidar da “pontualidade física” dessa britânica? Em entrevista exclusiva, ela fala sobre sua carreira vitoriosa, seus feitos e o sonho de medalha olímpica nos Jogos do Rio.

Como foi a sua infância? Você tinha sonhos e ídolos que pedalavam?

Tive uma infância bastante “normal”. Só comecei a pedalar aos 15 anos. Naquela época sempre olhava para alguns atletas com muito respeito e admiração, mas ninguém em especial que eu pudesse chamar de ídolo. Sonhos eu não tinha muitos, mas agora tenho um bem claro: a medalha de ouro nos Jogos do Rio.

Então foi um início tardio no esporte?

É, meu talento só foi descoberto quando eu estava na escola. Tinha 15 anos. Gosto de dizer que ganhei na loteria ao ter como técnico o Phil West. Foi ele que desenvolveu meu físico para as competições e ensinou como me comportar durante as competições.

Como a maioria dos britânicos, você começou na pista e só depois foi para a estrada. Como foi essa transição?

Sempre preferi pedalar na estrada, então não foi uma transição difícil. O ciclismo de estrada tem uma história muito rica, com provas icônicas. Eu amo essa combinação de capacidade física com decisões táticas que temos de tomar durante a prova. Também prefiro a sensação de treinar ao ar livre, ao contrário dos treinos fechados no velódromo.

Você é fruto de um planejamento de longo prazo, que teve um grande resultado. Mesmo assim, não seria melhor ter competido na pista em Londres? Talvez a sua medalha tivesse sido a de ouro…

Acho que foi a melhor escolha para mim. Fisicamente, a prova de pista mais parecida com a estrada é a competição por pontos, que foi retirada do programa olímpico. Eu não conseguiria treinar de maneira produtiva para defender meu time de estrada e competir nas provas de velódromo pela seleção. São coisas completamente diferentes quando você está pensando em uma medalha de ouro olímpica.

Em Londres você ficou em segundo lugar, atrás apenas da imbatível Marianne Vos. Sua medalha de prata foi a primeira do Reino Unidos nos Jogos. Esses dois fatos fizeram o seu pódio ser ainda mais especial?

Tive muita sorte de competir em casa. A atmosfera foi incrível e a torcida nos deixou ainda mais orgulhosos. Claro que também foi especial para o nosso time aquela primeira medalha…

E sobre a Marianne? Nas últimas duas temporadas ela teve problemas físicos e não tem mais o mesmo nível. Isso deixa as grandes provas abertas?

Sim, a Marianne sempre foi muito consistente: escalava com as melhores, disputava sprint com as melhores. Sempre foi muito difícil batê-la. Hoje eu vejo a Anna van der Breggen, outra holandesa, como a minha maior rival. Tenho muito respeito por ela. Anna conquistou coisas importantes na última temporada, correr contra ela nunca é fácil e também gosto do seu estilo. Acho muito bom que a Marianne esteja voltando a competir nessa temporada. Quando você vence algumas provas quer que as melhores do mundo estejam lá, lutando pela vitória contra você.

Essas disputas também fazem o interesse pelo ciclismo feminino aumentar. A realidade de vocês está mudando?

O ciclismo feminino é mais novo que o masculino. Não temos o mesmo valor de mercado para os patrocinadores, já que não temos a mesma exposição. Mesmo assim, já vejo uma mudança muito grande em relação ao que era quando eu me profissionalizei e a cada ano vejo essa melhora. O crescimento nos últimos anos foi impressionante. Corro pela equipe Boels-Dolmans, que tem um time profissional completo, como qualquer equipe masculina: todas as ciclistas e membros da equipe técnica têm contratos assinados por toda a temporada, com salários fixos. A cada ano existem novas provas em nosso calendário. Será interessante ver o impacto do Women’s World Tour. Claro que ainda existe um longo caminho a percorrer, mas a cada ano damos um passo importante.

Qual é o “sabor” da camisa arco-íris que você veste?

Amo ser apresentada como “a campeã do mundo”. Vestir essa camisa foi algo que eu realmente trabalhei duro para tornar realidade. Acho demais essa forma como o ciclismo mostra em todas as corridas quem é o campeão do mundo. Estou louca para começar a temporada vestindo meu prêmio!

Como foi a sua recente visita ao Brasil?

Foi em agosto do ano passado. Estive apenas no Rio, para reconhecer o percurso dos Jogos, mas foi uma experiência legal. Cidade bonita, pessoas legais, comida bacana e uma temperatura agradável. Espero que esteja assim quando eu voltar para competir.

O percurso tem características que não favorecem o seu perfil. Com isso, pode-se dizer que você não está entre as favoritas?

Tive a sorte de pedalar pelo percurso e conhecer cada trecho para poder planejar exatamente como deve ser a minha preparação para a prova. Repito: vencer a Olimpíada é o meu grande objetivo na temporada.

O que você pode revelar do circuito olímpico?

Então, eu apenas pedalei por ele, não competi… mas vi que é brutal!

Está falando das subidas? O que você precisou mudar em sua preparação?

Sim, é um circuito para escaladores mesmo, principalmente a última subida, que tem 8 km com 8% de inclinação. Tive que mudar um pouco meus planos de treino e focar nas escaladas este ano. Meu calendário de provas deve ser basicamente o mesmo de 2015, mas pretendo incluir algumas provas com mais desnível e provavelmente começar a temporada mais devagar para estar bem em agosto.

Sente-se mais pressionada por ser a campeã do mundo?

Acho que comecei a me sentir bem com essa pressão. Eu desfruto das corridas e me sinto confortável com a pressão pela vitória. Comecei a vencer mais quando passei a aceitar certas responsabilidades, como a de liderar o meu time. Pode ser difícil nesse processo entre ser uma corredora jovem e passar a ser a campeã do mundo. É algo que tem de ser construído com força física e confiança. Mas é incrível correr com a camisa arco-íris.

Já tem planos para depois da Olimpíada? Li que mesmo jovem você poderia até se aposentar…

Bom, depois da Olimpíada Philip e eu vamos nos casar e queremos aproveitar a “lua de mel” (Lizzie namora Philip Deignan, ciclista profissional do Team Sky). Mas entre esses dois compromissos tenho que defender o meu título mundial em Doha! Depois, sei lá!

Como é esse casal de elite do ciclismo mundial? Treinam juntos, trocam informações e estratégias? 

Eu acredito que quando estamos felizes e em sintonia com nossos planos tudo se encaixa. Estar com Philip tem me ajudado muito, mas também não é toda hora que falamos de ciclismo. Acho que estar feliz já tem um impacto no meu ciclismo. E eventualmente saímos para um girinho leve juntos.

Nome: Elizabeth Mary Armitstead

Nascimento: 18/12/1988

Local: Leeds, Inglaterra

Altura: 1,68 m

Peso: 57 kg

Equipe: Boels-Dolmans

Conquistas: 

Campeã mundial na estrada – 2015

Copa do Mundo – 2014 e 2015

Campeã mundial de perseguição por equipes – 2009

Vice-campeã olímpica – Londres 2012

Tour do Qatar – 2015

Gent-Wevelgem – 2012

Campeã britânica – 2011, 2013 e 2015                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                      [nggallery id=80]

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