Dez grandes momentos da maratona

Atualizado em 27 de abril de 2016
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Por Fausto Fagioli Fonseca

A maratona está para um corredor assim como a Copa do Mundo está para um jogador de futebol. Verdade que a prova de 42.195 metros está ao alcance de praticamente qualquer um que se esforçar de verdade para realizá-la enquanto o mundial de futebol é para poucos. A comparação é sim válida, já que a conquista de uma prova como esta é um feito para ficar gravado, assim como o torneio entre seleções.

Porém, alguns atletas vão além. Ficam marcados não só pela vitória, mas sim por outros fatores, como dedicação, superação e até mesmo, acredite, a não-conquista da prova. Veja abaixo dez exemplos de competições e de corredores que ficaram gravados na história do atletismo.

Primeira maratona dos Jogos Olímpicos
O ano era 1896 e as Olimpíadas voltavam a ser disputadas após mais de 2.000 anos, em Atenas. O responsável pelo retorno dos jogos era o barão Pierre de Coubertin, que havia fundado o COI (Comitê Olímpico internacional) quatro anos antes.

A Maratona, então com um percurso de 40 km (a distância atual só viria a ser implementada mais tarde), era uma das 43 modalidades disputadas. O primeiro vencedor da prova na história dos jogos foi um pastor de ovelhas, o grego Spiridion Louis, que completou o trajeto em 2h58min50s.

Após a conquista, Spiridion ficou famoso em seu país, e recebeu diversas premiações, como jóias e até mesmo a oferta de ter a barba feita pelo resto da vida pelos barbeiros da região. O atleta nunca mais correu, e faleceu no ano de 1940, mas até hoje é lembrado como o primeiro atleta a vencer a maratona nos Jogos Olímpicos.

Zatopek e o triplo ouro
O tcheco Emil Zatopek (1922-2000) é considerado por muitos o maior maratonista de todos os tempos. O apelido adquirido por seu estilo de corrida, Locomotiva Humana, expressa um pouco sobre sua forma de competir. Arrancadas devastadoras e superação de limites.

Nos Jogos Olímpicos de Helsinque, em 1952, Zatopek impressionou o mundo e conseguiu um feito jamais alcançado por nenhum outro mortal na história. Após vencer os 5.000m e os 10.000m, ele iria correr, pela primeira vez em sua vida, uma maratona.

Calouro na distância, o atleta decidiu que acompanharia os especialistas na prova. Porém, sentindo-se bem durante a disputa, disparou na frente após alguns quilômetros percorridos. Zatopek não só venceu a corrida como cravou o recorde olímpico, com o tempo de 2h23min04s.

Abebe Bikila, o corredor descalço
Abebe Bikila nasceu na Etiópia em 7 de agosto de 1932. Era guarda-costas do Imperador etíope Atse Haile Selassié. Foi nesta fase que surgiu o gosto pela corrida, que veio dos treinos militares, descalço, pelas montanhas da província de Mout.

Nas Olimpíadas de Roma, em 1960, quando tinha 28 anos, Bikila alcançou um dos maiores feitos da história do atletismo. Venceu a prova com os pés descalços, bateu o recorde mundial da distância, com o tempo de 2h15min16s e foi o primeiro negro africano a conquistar um ouro na história dos jogos.

Quando questionado sobre o gosto de correr descalço, Bikila afirmou: “Eu quero que o mundo saiba que o meu país, Etiópia, vai sempre ganhar com determinação e heroísmo.”

O Imperador Selassié, como prêmio ao desempenho do atleta, lhe deu de presente um carro, um apartamento e uma pensão vitalícia. O respeito e a admiração pelo ex-guarda-costas era tanto que em uma rebelião ocorrida no palácio do imperador, enquanto todos os guardas foram assassinados, Selassié interveio pedindo que Bikila fosse poupado.

Garra olímpica de Gabrielle Andersen
Nos Jogos Olímpicos de 1984, em Los Angeles, a suíça Gabrielle Andersen, desidratada, desorientada e com uma cãibra na perna esquerda, caminhou os últimos 200 metros da maratona levando 10 minutos para completá-los.

Ao cruzar a linha de chegada, Gabrielle caiu desacordada nos braços dos médicos. Após a prova, a atleta disse que queria terminar o percurso, pois aquela talvez fosse sua única oportunidade de participar dos jogos devido a sua idade.

Ela chegou apenas na 37ª posição entre 44 corredoras, e fez o tempo de 2h48min42s, mas foi mais aplaudida que a medalhista de ouro, a norte-americana Joan Benoit. O fato é considerado um dos maiores exemplos de perseverança, garra e espírito olímpico.

Recorde do Ronaldo da Costa
O currículo do mineiro Ronaldo da Costa é de se respeitar. Nascido no município de descoberto, em 1970, o caçula de 11 irmãos e de origem pobre surgiu para o Brasil ao vencer a Corrida de São Silvestre e a Maratona do Rio de Janeiro.

Em 1998 partiu para a Maratona de Berlim, considerada uma das mais rápidas do planeta por causa de seu percurso plano, com a intenção de quebrar o recorde brasileiro na distância. Foi além. No quilômetro 15 seu técnico o avisou que podia tentar alcançar a marca mundial, então de 2h06min50s, e ele forço o ritmo.

O clima agradável, segundo o atleta, ajudou-o a concluir a prova em 2h06min05s, 45 segundos abaixo do recorde mundial pertencente ao etíope Belayneh Dinsamo, que durava desde 1988. Aquele foi o auge do atleta de origem simples, que até hoje ostenta o rótulo de último brasileiro a bater um recorde mundial no atletismo.

Paula Radcliffe, a mais rápida da história
Em 2002 a britânica Paula Radcliffe, então campeã mundial Cross Country, decidiu partir para os 42 km da maratona. Em sua primeira prova, a Maratona de Londres, no dia 14 de abril, venceu com o tempo de 2h18min55s, apenas oito segundos acima do recorde mundial, que pertencia à queniana Catherine Ndereba.

No mesmo ano, em outubro, venceu a Maratona de Chicago com a marca de 2h17min18s, diminuindo assim o recorde da distância para mulheres em quase 1min30s. Mas foi no ano seguinte, em 2003, que Radcliffe mostrou para o mundo que sobrava de fato entre as corredoras.

Novamente na Maratona de Londres, a atleta estabeleceu a marca que perdura até hoje: 2h15min25s. A performance de Radlciffe nesta prova é considerada por muitos a maior da história entre os maratonistas de ambos os sexos. Para se ter uma ideia, o tempo de Ndereba, 2h18min47s, é ainda o melhor entre as atletas, excluindo-se Paula Radcliffe.

O padre que parou Vanderlei Cordeiro
Quando chegou à Maratona das Olimpíadas de Atenas, em 2004, Vanderlei Cordeiro de Lima era relativamente conhecido pelos brasileiros. Já havia conquistado a Maratona de São Paulo e era bicampeão da maratona dos Jogos Pan-Americanos.

Porém, foi na cidade berço dos Jogos que o ex-boia-fria escreveu seu nome na história. O brasileiro liderava bem a prova até o quilômetro 37, com vantagem de cerca de 40 segundos para o pelotão que vinha atrás. Foi quando o ex-padre Irlandês Cornelius Horan entrou na pista e agarrou o atleta. O episódio durou poucos segundos, já
que o público ajudou Vanderlei a se desvencilhar do manifestante.

Contudo, o fundista demorou a retomar o ritmo que vinha impondo, e viu o italiano Stefano Baldini e o eritreu naturalizado norte-americano Meb Keflezighi o ultrapassarem após alguns minutos. Vanderlei sustentou a terceira colocação e ficou com a medalha de bronze, melhor resultado brasileiro nas história da maratona olímpica.

Ao entrar no Estádio Olímpico de Atenas, Vanderlei Cordeiro foi mais aplaudido que o vencedor Baldini e foi premiado, após o encerramento dos Jogos, com a medalha Pierre de Coubertin, por seu feito, espírito esportivo e humildade após o evento.

Marilson, o Rei de Nova York
Marilson Gomes dos Santos já era bicampeão da São Silvestre e acumulava algumas medalhas no Pan-Americano quando chegou a Nova York para sua primeira disputa na maratona local, em 2006. Era desconhecido dos norte-americanos, que tinham como favorito para a vitória o queniano Paul Tergat, atual campeão do evento e recordista mundial da distância.

Porém, o brasiliense, com o tempo de 2h09min58s, conquistou sua primeira vitória na prova, com Stephen Kiogora, do Quênia, em segundo, com 2h10min06s e Paul Tergat em terceiro, com 2h10min10s.

Em 2008, ano de seu bicampeonato, Marilson chegou à Big Apple ainda com desconfiança, já que terminara em sexto em 2007. Entretanto, o fundista brasileiro tratou de afastar qualquer dúvida sobre sua qualidade ao cravar a marca de 2h08min43s e escrever de vez seu nome na história dos melhores maratonistas do mundo.

Wanjiru, o orgulho do Quênia
Pode parecer estranho, mas até Jogos de Pequim, em 2008, o Quênia jamais havia vencido uma maratona olímpica. O responsável por quebrar este tabu? Um jovem de então 21 anos, Samuel Wanjiru.

A disputa começou com nomes de peso do atletismo, com um field composto por Jaouad Gharib, Deriba Merga, Tsegay Kebede, Martin Lel e Stefano Baldini. Wanjiru era apenas mais um no meio de tantos.

Entretanto, o impressionante tempo de 2h06min32s garantiu ao jovem corredor a medalha de ouro e a quebra do recorde olímpico, que era do português Carlos Lopes e já durava 24 anos. O dia era de Wanjiru e a maratona olímpica, finalmente, do Quênia.

Haile, o homem que nasceu para correr
Nascido na cidade de Arsi, na Etiópia, no ano de 1973, Gebrselassie tem o apelido de “Imperador” em alusão ao imperador etíope Haile Selassie e por causa de seu domínio nas principais provas de fundo nos últimos anos. Geb, como também é chamado, já quebrou nada mais nada menos que 27 recordes mundiais. Um deles, contudo, é especial.

Dois meses após os Jogos Olímpicos de Pequim, que o atleta optou por não participar devido a sua asma e à poluição da capital chinesa, Gebrselassie cravaria a marca de 2h03min59s na Maratona de Berlim, se tornando o primeiro, e até hoje único atleta a correr os 42 km abaixo de 2h04min. Haile é considerado uma lenda viva e, ao lado de Zatopek, o maior maratonista da história.