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Coroas ovais tornam a pedalada mais eficiente?

Quem nunca viu ou ouviu falar das coroas ovais ou sistemas não circulares? Esses sistemas alteram a velocidade angular da pedivela ao longo do ciclo de pedalada, e isso poderia afetar a produção de potência. A coroa oval ou não circular está no mercado faz tempo, e às vezes elas voltam a ter destaque na mídia. Mas será que entregam de fato o que prometem? Chris Froome, sobre quem já escrevi em um post anterior aqui do Ciclismo Científico, usa uma coroa não circular. Dizem que o modelo de coroa que ele usa foi construído sob medida. Embora eu não tenha lido nada relatando isso, eu acredito que seja verdade. E talvez seja nesse caso, onde é feita sobre medida, que ela possa ter algum efeito positivo sobre o desempenho.

Mas antes que os usuários de coroa oval ou sistemas não circulares fiquem zangados com meu texto, lembrem que nesse blog debatemos com base em evidências. Vamos lembrar que na maioria das vezes um sistema que é comprado no comércio de equipamentos tem um design único, o mesmo para todos os atletas. Voltarei a comentar sobre isso no final do texto. Mas vamos às evidências sobre os sistemas não circulares. Discutirei as principais.

Algum tempo atrás, nosso grupo de estudos investigou características de um sistema que na época ganhava popularidade, o Rotor Cranks. O Rotor agora é popular pelas coroas, mas naquela época era popular por ter um movimento central específico para produzir uma pedalada não circular. Em um dos nossos estudos sobre esse tema, em 2009, eu e os demais colaboradores percebemos que ciclistas treinados apresentaram um melhor alinhamento do membro inferior na fase de potência da pedalada quando usando a coroa oval ou não circular. Isso significa que movimentos mediais e laterais do joelho eram minimizados com o uso do sistema não circular, o que pode sugerir uma menor sobrecarga no joelho, por exemplo. Mas isso não contribuiu para diferenças na potência máxima produzida usando o sistema não circular e um sistema regular. Em outro estudo que conduzimos – Dagnese e colaboradores em 2011 – não observamos diferenças na magnitude de ativação muscular com o uso do sistema não circular durante um teste de exaustão – ou seja, o recrutamento muscular não se alterou pelo uso do sistema não circular. Em dados não publicados, observamos que em testes de 40 km contrarrelógio o sistema não circular não trouxe vantagem, ele apenas fazia com que a cadência preferida pelos ciclistas fosse um pouco mais alta. Essas nossas observações foram confirmadas por um estudo de Jobson e colaboradores em 2009, mostrando que um sistema não circular não alterou o desempenho no contrarrelógio.

Strutzenberger e colaboradores, em 2014, investigaram se a falta de efeito dessas configurações não circulares sobre o desempenho poderia depender de questões como a cadência de pedalada e a carga de trabalho. Eles observaram uma diminuição na amplitude de movimento com o uso da coroa mais oval dentre as que eles testaram, além de uma maior produção de potência articular no quadril, diminuindo um pouco a produção de potência articular no joelho (talvez isso contribua para o menor deslocamento mediolateral do joelho que comentamos em nosso estudo de 2009). Contudo, as mudanças observadas dependiam de cadências acima da preferida pelo atleta. Então parece que em esforços considerados predominantemente aeróbicos – ou seja, de duração mais longa – esses sistemas não circulares parecem não oferecer muita vantagem. Além disso, sabemos que a cadência preferida é bastante consistente nas diferentes sessões de treino e competição de um atleta, além de ser a cadência preferida aquela que promove a melhor técnica de pedalada (falarei disso em um próximo artigo). Então, será que vale a pena verificar efeitos do sistema não circular em cadências diferentes da preferida?

Alguns autores então pensaram se em esforços máximos e de curta duração poderia existir algum efeito da coroa oval ou sistemas não circulares. Nesse sentido, Hinzty e colaboradores, em 2016, compararam os sistemas durante sprints de 8 segundos. Embora eles tenham mostrado uma maior potência (4,3% mais alta) no sprint com o sistema não circular, eles informaram que o efeito só acontecia em cadências mais altas. Então fica difícil saber se esse efeito seria consistente entre diferentes atletas, pois as cadências não eram as preferidas pelos atletas. Ainda considerando esforços de sprint, mas dessa vez no formato de teste de Wingate, Rodriguez-Marroyo e colaboradores, em 2009, mostraram que um sistema não circular foi associado com uma maior potência no Wingate, mas em testes aeróbicos, de maior duração, nenhum benefício foi observado. Mas eu tenho minhas dúvidas se esse resultado no Wingate com o sistema não circular possui uma aplicação prática para um sprint em competição, por exemplo.

Mas então, será que a coroa oval ou não circular entrega o que promete? Provavelmente não. Mas e o Froome? Bom, se o sistema que o Froome usa traz algum benefício real, provavelmente é porque ele foi feito sobre medida, identificando os pontos de maior e menor produção de força na pedalada dele, e aí então sendo desenhado para maximizar o desempenho nesses pontos específicos. Agora, se é isso que fez ele ganhar o Tour de France, nunca saberemos.

De modo geral, as mudanças que um sistema não circular traz possuem pouca significância em termos de alteração no desempenho e talvez isso explique porque eles não são tão populares quanto os fabricantes gostariam que fossem.

 

Para quem quiser saber mais detalhes, estes foram os estudos usados para fundamentar esse debate:

Carpes FP, Dagnese F, Mota CB, Stefanyshyn DJ. Cycling with noncircular chainring system changes the three-dimensional kinematics of the lower limbs. Sports Biomech. 2009; 8(4):275-283

Dagnese F, Carpes FP, Martins EA, Stefanyshyn D, Mota CB. Effects of a noncircular chainring system on muscle activation during cycling. J Electromyogr Kinesiol. 2011; 21(1): 13-17

Jobson SA, Hopker J, Galbraith A, Coleman DA, Nevill AM. Effect of the rotor crank system on cycling performance. J Sports Sci Med. 2009; 8(3):463-467.

Strutzenberger G, Wunsch T, Kroell J, Dastl J, Schwameder H. Effect of chainring ovality on joint power during cycling at different workloads and cadences. Sports Biomech. 2014; 13(2):97-108.

Hinzty F, Grappe F, Belli A. Effects of a non-circular chainring on sprint performance during a cycle ergometer test. J Sports Sci Med. 2016; 15(2):223-228

Rodriguez-Marroyo JA, Garcia-Lopez J, Chamari K, Cordova A, Hue O, Villa JG. The rotor pedaling system improves anaerobic but not aerobic cycling performance in professional cyclists. Eur J Appl Physiol. 2009; 106(1):87-94

Felipe Carpes

É graduado em educação física, doutor em ciências do movimento humano e professor da Universidade Federal do Pampa (RS). Apaixonado por ciclismo, há mais de 10 anos está envolvido com o esporte, desenvolvendo estudos científicos voltados ao aperfeiçoamento da técnica e maximização do desempenho competitivo. Também é praticante de ciclismo de estrada e de mountain bike maratona.

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Felipe Carpes
Tags: coroa oval

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