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Mantenha a cidade esquisita

O Dr. David Banis e o Dr. Hunter Shobe, diretores do Centro de Análises Espaciais e Pesquisa do Departamento de Geografia da Portland State University (PSU), são os autores do “Portlandness – A Cultural Atlas”, trabalho primoroso de pesquisa que traça um retrato bastante preciso de Portland, com diversos dados, rankings e indicadores de qualidade de vida que nos ajudam a decifrar porque a cidade é uma das mais verdes do mundo. No entanto, uma questão do livro parece ser a chave para entendermos a principal característica que faz de Portland única, diferente de todas as outras cidades americanas.

Considerada a cidade mais verde dos EUA e sempre entre as primeiras no ranking das mais ecológicas do mundo, Portland conta com cerca de 600 mil habitantes, mas estima-se que atraia o dobro de seus residentes todos os dias. É muito comum você encontrar a frase “Keep Portland Weird” (mantenha Portland esquisita) pintada nos muros, em camisetas e em guias sobre a cidade. No entanto ninguém sabe dizer ao certo o que essa frase realmente significa. Aliás, cada cidadão tem uma opinião sobre ela. E depois de três meses vivendo por lá, evidentemente que eu também tenho minha opinião sobre manter Portland esquisita.

Portland é diferente de todas as outras cidades americanas que conheço, a começar pelos próprios cidadãos. Eles sempre votam  para candidatos democrata, e já elegeram um prefeito ciclista, ativista ambiental e assumidamente gay. Têm bons programas sociais, nenhuma tensão racial e estão a favor de Bernie Sanders, único candidato socialista na corrida presidencial americana de 2016.

A cidade é extremamente tolerante, tem leis que descriminalizaram a maconha para uso terapêutico e medicinal, e mais de 70% das pessoas usam bicicletas, andam a pé e utilizam transporte público diariamente. Nos anos 60, a população foi contra a construção de uma estrada federal ao longo do rio Willamette (símbolo da cidade), onde no lugar arquitetaram um parque linear.

Em qualquer esquina você encontra uma praça ou um parque. Eles têm um conceito de bairros de 20 minutos a pé, onde você vai sempre encontrar um comércio local, banco, supermercado, clínicas de saúde, biblioteca e escolas próximo de sua casa. Andar de carro é a pior forma de se deslocar pela cidade, isso porque a prioridade de circulação é voltada totalmente para os pedestres, transportes públicos e para o enorme sistema de ciclovias – a cidade se deu ao luxo de construir pontes apenas para a travessia de pedestres, ciclistas e transportes públicos. Os carros precisam trafegar entre 20 ou 30 km por hora e o semáforo prioriza sempre os pedestres, ciclistas e transporte público. Portland tem os menores índices de criminalidade dos EUA e as pessoas parecem sempre mais felizes do que em outras cidades.

Não foi surpresa, portanto, verificar que a maioria das pessoas respondeu para o livro da PSU que a principal característica que faz Portland ser única é a consciência ambiental. Isso evidencia outra questão e serve de lição para nós: nunca seremos como Portland, porém não teremos a qualidade de vida que tanto desejamos sem antes desenvolver nossa própria consciência ambiental.

Talvez Portland seja mesmo esquisita para os cidadãos de outras cidades americanas ou até para o padrão de vida dos cidadãos brasileiros, porque é mesmo difícil entender, fazer escolhas ambientais e coloca-las em prática. Isso implica fazer esforços em conjunto. Ou seja, priorizar a coletividade em detrimento das escolhas individuais. Em Portland, qualquer pessoa, da criança ao idoso, consegue reconhecer que quando um indivíduo usa a bicicleta ele está fazendo um enorme esforço para o bem-estar da coletividade. Com isso, a cidade deixa, por exemplo, de gastar com problemas de poluição e congestionamentos. Essa consciência, entre diversas outras, foi fundamental para a instalação dos programas de redução do uso do carro, aproveitamento de espaços públicos, qualidade da água, implantação de ciclovias e ruas mais verdes.

Manter a cidade esquisita é mais do que um slogan com a cara de Portland. Podemos entender como um ótimo conselho para manter a qualidade de vida para quem já está iniciado na arte de produzir cidades mais verdes, um conselho que todo cidadão de Portland segue à risca.

Lincoln Paiva

Presidente da consultoria Green Mobility e do Instituto Mobilidade Verde, é especialista em mobilidade urbana para países em desenvolvimento pela Unitar (United Nation Training) e membro da Slocat (Sustainable Low Carbon Transport), coordenada pela ONU.

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Lincoln Paiva
Tags: mobilidade

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