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Simplifiquem… É só um esporte!

O que é necessário para se jogar futebol? Campo ou quadra, bola, trave e jogadores. E vôlei? Jogadores, quadra, rede e bola. O mesmo conceito podemos aplicar para o handebol, para o basquete, etc. Já para alguns esportes individuais parece que a prática e, consequentemente, o treinamento, acabam se tornando um pouco mais fáceis. Para nadar você precisa de piscina, óculos e sunga (ou maiô). Para correr basta um par de tênis, shorts e camiseta. E para pedalar? Parece até meio óbvio, mas uma bicicleta e um capacete atendem muito bem.

Logo, pensando no triathlon, um esporte individual que agrupa as três modalidades anteriormente citadas, espera-se que seja necessário tudo o que se utiliza na natação, no ciclismo e na corrida. Para quem quiser somente praticar o esporte sem intuito de competir, está aí a lista do “investimento inicial”. Mas se a pessoa desejar competir, terá mais dois investimentos: um treinador ou assessoria esportiva, e o valor da inscrição das provas. Simples, não é? Não!!!!

Voltando um pouco no tempo, assim como na maioria dos esportes, no seu surgimento o triathlon mostrou força e rapidamente angariou centenas de adeptos, entusiastas e praticantes. Nos anos 90, tínhamos várias provas espalhadas pelo Brasil, tendo como principais polos São Paulo e Rio de Janeiro. O Ironman e o 70.3 (meio Ironman) também aterrissaram em solo brazuca no final dos anos 90. Ou seja, era competição para todos os gostos, desde um short triathlon até um Ironman, passando por duathlons aquáticos e terrestres, olímpicos e o meio Ironman.

O triatleta daquela época, principalmente o amador, nadava de sunga, pedalava sua “Caloi 10”, usava capacete de “isopor”, corria de camiseta regata e tênis sem meia. Ficava radiante em cruzar a linha de chegada, e logo em seguida já combinava com os amigos de treinarem mais para a próxima prova. Fora isso, com aproximadamente uns “75 dinheiros-da-época”, era possível pagar a inscrição de uma prova, competir e ser feliz.

Porém, a virada para o ano 2000 não trouxe somente problemas para os computadores e softwares (lembram do bug do milênio?). Trouxe também a elitização do triathlon e uma complexidade e dificuldade imensas para quem quisesse praticá-lo. Ao invés de agregar, como vinha fazendo até então, o triathlon segregou, traiu o “criado”.

O carteiro da minha rua, que competia comigo (e ganhava sempre) nas provas de short triathlon no litoral paulista, “aposentou” sua bicicleta Monark 12 marchas e desapareceu das largadas. “Não!!! Triathlon não dá mais para mim!!! Inscrições muito caras, bikes, rodas, roupas de borracha… Tudo muito caro!!!”

Simplifiquem… É só um esporte! – era o que constantemente me vinha à mente quando me deparava com essas mudanças nocivas e com essas barreiras que apareciam nesse esporte.

Quantos outros atletas amadores com excelente desempenho (assim como Geraldo, o carteiro) não abandonaram o esporte, não abandonaram um sonho, por causa “do sistema”? Muitos!!! E quando falo sistema, me refiro a todos envolvidos no esporte: treinadores, assessorias, atletas, organizadores de provas, empresas do segmento, mídia especializada, confederação e federações, etc.

Hoje, quando alguém pensa em começar a praticar o triathlon, de primeira mão já é questionado: Você vai pro Iron? Tem bike TT de carbono? Já comprou roda aero de carbono? Treinar sem medidor de potência não rola, hein! Comprou GPS? E aproveita e já vê macaquinho que repele a água, roupa de borracha, e meias de compressão para os treinos longos. Simplifique, gente… É só um esporte!

Quem está no esporte há mais de duas décadas vê que isso tudo não é nem um pouco benéfico para o desenvolvimento do triathlon, ainda mais no Brasil. O esporte tem que ser democrático e inclusivo, não é? Pois nesses moldes ele não está favorecendo a prática. Tem muitos atletas saindo, parando de treinar. Mas também tem um movimento significativo de adesão ao esporte. E mesmo assim essa conta não fecha!

De um lado temos provas tradicionais que hoje em dia somam 200 (ou menos) atletas na largada, e contraditoriamente uma prova de Ironman com 4000 inscritos e outros tantos atletas na fila de espera por uma inscrição, que gira em torno de 900 dólares. Onde o triathlon brasileiro quer chegar desse jeito? Tornar-se um hobby de luxo e continuar pouco “competitivo” no cenário mundial? Porque “representativo” ele já é, haja vista a quantidade de brasileiros, na sua maioria amadores, que se inscrevem e/ou se qualificam para competições internacionais.

Analise a participação do Brasil em Olimpíadas desde a estreia do triathlon em Sydney 2000 – está cada vez mais atrás nas tabelas. E no circuito mundial da ITU? O cenário é o mesmo. Ahhhh… Tem o Ironman! A prova que está em voga! Nada muda. Alta representatividade e baixa competitividade.

O triathlon cresce no mundo, qualitativa e quantitativamente. No Brasil, talvez em quantidade. E mesmo assim, nossos poucos atletas profissionais (os atletas de elite) dão o sangue nos treinos e nas competições para tentarem um TOP 20, TOP 30, sendo otimista. Não somos piores e nem melhores que ninguém mundo à fora. Somo iguais!

Temos, sim, é que nos organizar melhor e “abrir o leque”, aumentar o “celeiro”, e tornar o triathlon um esporte inclusivo e democrático, assim como vôlei, futebol, natação, handebol, entre outros. Aliado a isso, precisamos ter uma política séria de detecção, seleção e promoção (DSP) de talentos esportivos voltada para o triathlon.

Portanto amigos, encerro com a frase que mais descreve a mensagem que quero passar nesse texto: Simplifiquem… É só um esporte!

Reflitam… E bons treinos!

Rogério Carvalho

Mestre em estudos do esporte pela EEFE-USP, especialista em treinamento desportivo, treinador certificado pela Ironman University e Head Coach da Endurance Sports Coaching Brasil. Também é triatleta desde 1993 - competiu em todas as distâncias: Ironman (inclusive Porto Seguro 2000), Ironman 70.3, olímpico e short triathlons.

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Rogério Carvalho

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