Camilo Alves: minha primeira ultramaratona - como começar?

Atualizado em 12 de abril de 2024

Por Camilo Alves*

As ultramaratonas tem ganhado notoriedade cada vez maior no mundo e no Brasil. Prova disso é vinda para o país de uma etapa da UTMB – o circuito ultramaratonas mais famoso do mundo. Além disso, El Cruce de Los Andes (a ultramaratona mais cobiçada da América do Sul) vem batendo recordes de inscrições a cada ano. Se a procura por provas longas é grande, maior ainda é quantidade de dúvidas que surgem para aqueles que querem começar a treinar para essas distâncias pela primeira vez.

Existe uma crença de que é preciso correr uma maratona antes de correr uma ultra – sem saber a real necessidade disso. Outro ponto de discussão é sobre as capacidades a serem trabalhadas nos treinos, já que a maioria das ultramaratonas são em lugares montanhosos, com bastante variação altimétrica. Por fim, o volume semanal acumulado, tanto na semana, quanto nos treinos longos, também é um ponto importantíssimo que deve ser levado em conta.

As distâncias em ultramaratonas podem variar muito, partindo de 50 até 300 km (ou até mais, acredite). Além da variação de distâncias, ainda pode haver muita diferença na altimetria da prova (quantidade e extensão de subidas e descidas), nas condições de terreno ou até mesmo na altitude dentro do percurso. Por isso, é bem possível que duas provas de 50 km em locais distintos possam ter diferenças muito grandes no tempo de conclusão de prova. Por esse motivo, o treinamento para uma ultramaratona não é padrão e deve levar em conta todas as caraterísticas da prova.

Ao analisarmos a característica das provas de ultradistância, veremos que existem subidas tão íngremes e terrenos tão acidentados que obrigam os atletas a caminharem em muitos trechos da prova – salvo a exceção de algumas provas que possuem percursos que favorecem a corrida, como as famosas Comrades e Two Oceans. Em termos práticos, as ultras são um eterno “correr x caminhar”: se dá melhor quem treina o corpo para suportar essa mudança constante de estado fisiológico. Dessa forma – diferente da maratona em que se pretende manter um ritmo constante e equilibrado – as provas de 50, 100 e 150 km vão exigir a quebra desse equilíbrio ao longo de percurso.

Se fazer uma maratona não parece um bom preditor para a realização de uma ultra, existem alguns parâmetros fisiológicos que podem ser considerados, tanto para maratonistas quanto para ultramaratonistas, como: eficiência de oxidação de gordura, composição corporal e capacidade aeróbia. Além desses fatores, as ultradistâncias também exigem a  força muscular de membros inferiores, que pode ser entendida aqui como a força dos extensores do joelho (quadríceps), ou seja: a capacidade que os músculos da parte da frente da coxa têm de aguentar o impacto de longas horas de movimento e para encarar subidas difíceis.

O último fator de muita discussão dentro da área de longas distâncias é o volume do maior longo preparatório para uma ultramaratona. Hoje, sabe-se que corridas contínuas superiores a 3h causam danos musculares que demoram a ser recuperados (as vezes até mais de 1 mês). Nesse sentido, é preciso adaptar progressivamente atletas a correr mais distâncias e, ainda assim, fazer longos intervalando corrida com caminhada (assim como se faz na prova). No estudo de Knechtle e colaboradores em 2011, foi visto que os melhores desempenhos em provas de 24h contrarrelógio (correram em média 146 km), são de atletas que, entre outros fatores, fizeram longos de no máximo 60 km – ou seja, não necessariamente mais quilometragem no longo reflete em melhor desempenho!

É importante entender que o treinamento para ultradistâncias difere bastante do treinamento convencional – é claro que o atleta precisará desenvolver capacidades muito semelhantes aos corredores de rua “convencionais”, entretanto vale entender que uma mera adaptação do treinamento de uma maratona não irá servir para uma ultra. A escolha da primeira ultramaratona também deve ser cautelosa: a adaptação e as distâncias levam tempo, e nem sempre obedecem a uma equação matemática exata. Por fim, apesar de todos esses cuidados, terminar uma prova de 50, 100 ou até 200 km pode ser algo extremamente realizador e incomparável com qualquer experiência já vivida!

 

*Camilo Alves é diretor-técnico da RunFun Assessoria Esportiva, ultramaratonista e colunista dos sites Ativo.com e O2 Corre.