Alongar é preciso, sim

Atualizado em 24 de abril de 2007
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Por Kathia Natalie

Quem nunca viu um gato se espreguiçando? Atletas por natureza, esses bichanos são citados por médicos do esporte como mestres na arte do alongamento. Espreguiçam, sem pressa alguma e na medida certa, cada músculo e, após exercícios e brincadeiras prolongadas, voltam invariavelmente para a mesma rotina. Os movimentos suaves e contínuos não só oferecem prazer aos felinos como também os deixam novinhos em folha para novas atividades.

Apesar do exemplo desses exímios professores, para alguns corredores, alongamento ainda é sinônimo de sofrimento. Fábio Namiuti, 35, de São José dos Campos, SP, pensava assim. Até o dia em que teve o primeiro problema sério gerado pela falta do alongamento.

Após treinar por aproximadamente 16 km, Namiuti alongou-se mais rápido do que o recomendado. Mesmo sentindo dores na lateral do quadril, continuou descartando o alongamento após os exercícios. O resultado foi bursite trocantérica (no quadril), puxão de orelha do médico e uns bons dias de descanso, sem correr. Na corrida, Namiuti perdeu a obesidade e descobriu que o alongamento faz muita diferença.

“Ele prepara o meu corpo para a corrida, dando flexibilidade e mais disposição física. Antes de provas, é um ritual indispensável. Ajuda até no preparo psicológico. Confesso que não sou fã de alongamento depois da corrida, mas a prática já me mostrou o quanto isso é importante”, assume.

A fisioterapeuta Fabianne Magalhães Furtado, pós-graduanda do curso de Especialização em Fisioterapia do Aparelho Locomotor no Esporte, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo), acredita que alongamento ainda é sinônimo de sofrimento na vida de certos atletas. “Nesses casos, a primeira defesa da pessoa é prender a respiração, enquanto que o correto seria respirar, prolongando a fase expiratória simultaneamente ao aumento da intensidade do alongamento”, explica.

Para a fisioterapeuta, essa mentalidade deveria mudar, pois o pacote de benefícios é grande. O alongamento reduz tensões musculares, ansiedade, estresse e fadiga; aumenta a flexibilidade; induz o corpo ao relaxamento; ativa a circulação; melhora a postura e aumenta a atenção.

O benefício do alongamento para o sistema músculo-esquelético consiste, principalmente, na manutenção da amplitude articular. Se ela estiver normal, é possível realizar todas as demandas do dia-a-dia e exigências do esporte.

Quem não alonga tem maior chance de desenvolver alterações articulares, pelo desequilíbrio no comprimento muscular. Mais: os atletas que não mantém o alongamento pelo tempo necessário – 30s a 40s –, na verdade não dão estímulo apropriado ao músculo. Ou seja, é o mesmo que não alongar.

É bom, mas não previne lesões
Apesar de tantos benefícios propagados, o alongamento ainda gera polêmicas. Mesmo falando a favor da prática, a fisioterapeuta Fabianne lembra: “o que há de mais novo em termos de alongamento poderá parecer chocante: alguns estudos mostraram que não existe relação entre alongamento e prevenção de lesão, ou seja, mesmo fazendo alongamento, o corredor não está livre delas”.

Respeitado mundialmente por sua atuação em saúde pública, epidemiologia e doenças infecciosas, o CDC (Centro de Controle de Doenças e Prevenções), em Atlanta, EUA, realizou o estudo “O impacto do alongamento no risco de lesões esportivas: uma revisão sistemática da literatura”. Comandada por Stephen Thacker, diretor do CDC, a pesquisa analisou cerca de 350 estudos científicos sobre alongamento e concluiu: “Não há evidências suficientes que apóiem ou suspendam a rotina de exercícios de alongamento pré e pós-corrida com o intuito de prevenir lesões entre atletas amadores e profissionais”.

Há o aumento comprovado da flexibilidade, mas não significa prevenção de lesões. Segundo Thacker, muitas lesões poderiam ser evitadas apenas com aquecimentos e treinamentos adequados.

Mesmo que alongar não proteja das lesões, a maioria dos especialistas ainda aposta nos outros benefícios e indica que antes de iniciar qualquer atividade física, deve-se fazer alongamento e, somente depois o aquecimento (trote ou bicicleta, por exemplo).

Após a atividade, o alongamento é indicado com objetivo de evitar compensações e sobrecargas músculo-esquelética tardias, em virtude de um músculo encurtado.

Jeison Ely Duarte da Costa, 27, de Porto Alegre, RS, gerente de tecnologia da informação, pratica futebol, jiu-jitsu, surfe e corre há um ano e meio. “O alongamento melhora minha flexibilidade como um todo, não somente das pernas”, diz ele.

Corredora há mais de três anos, a gerente de marketing Mirella Morabia, de São Paulo, SP, treina três vezes por semana “para esquecer dos problemas, ver gente, extravasar, suar, tirar as coisas ruins do corpo e da mente”. “Já fui para uma prova atrasada e, assim, não deu tempo para alongar. Senti muita falta. Minhas pernas cansaram rápido e parecia que tudo estava enferrujado”, conta.

O professor de Educação Física do Colégio Brasileiro de Atividade Física, Saúde e Esporte (Cobrase) Estélio Dantas, autor de “Flexibilidade, Alongamento e Flexionamento” e um dos mais antigos estudiosos do assunto no Brasil, lembra que o ato de alongar previne não somente dores como “crises de estresse corporal, diminuindo a ansiedade como um todo”. “A prática dos alongamentos deveria ser rotina, assim como é entre os animais”, diz, o que nos leva novamente ao gato.