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Origem do MTB: saiba como tudo começou

Atualizado em 10 de março de 2017
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A origem do MTB remonta à decada de 50, mais especificamente ao ano de 1951. Naquele ano, o Grand Départ (grande partida) do Tour de France aconteceu fora da capital Paris, mais especificamente na cidade de Metz, no nordeste do país. Enquanto era dada a largada para a 38ª edição da Grande Volta francesa — que seria vencida pelo suíço Hugo Koblet —, um grupo de 20 jovens parisienses, cansados das limitações das bicicletas de estrada, resolveu expandir as possibilidades para além do asfalto e se uniu para criar o Velo Cross Club Parisien (VCCP). Eles lançaram mão de quadros utilizados para a prática do ciclocross, reforçaram suas estruturas, adicionaram suspensões dianteiras — adaptadas de motos infantis —, modificaram os freios, trocaram os pneus lisos e finos por modelos mais largos e abrasivos, e colocaram o passador de marchas no guidão. Assim, encontraram uma pista de motocross e, no intervalo das corridas de moto, ensaiaram os primeiros saltos e drops, dando aquele que seria o passo inicial para o surgimento do mountain bike.

Concomitantemente, em 1953, na Califórnia (EUA), John Finley Scott, a bordo de uma bicicleta Schwinn Diamond, e sem saber da existência dos jovens franceses — e vice-versa —, realizou modificações semelhantes em sua bike, tornando-se o primeiro mountain biker americano — ainda que não soubesse disso. Apesar de Scott e os jovens franceses terem dado os passos primordiais, em nenhum dos dois países — ou outro que seja — surgiram mais pioneiros, de modo que não há registros de ciclistas desbravando estradas de terra entre meados da década de 1950 e começo da de 1970, ainda que muito provavelmente grupos pequenos ou notáveis anônimos continuassem explorando novos caminhos longe do asfalto.

THE CUPERTINO RIDERS

Em dezembro de 1974, num campeonato americano amador de ciclocross na Califórnia, enquanto faziam os últimos ajustes em suas bicicletas pouco antes da largada, os então desconhecidos Gary Fischer, Joe Breeze e Charlie Kelly — hoje lendas do MTB — viram pela primeira vez algo que os influenciaria para o resto da vida: The Cupertino Riders. Era um grupo de ciclistas que nunca havia dado as caras em uma competição. Não eram atletas de destaque, nem localmente conhecidos, apenas entusiastas que gostavam de descer as estradas californianas que cortavam as maiores montanhas da região e que nem sempre eram asfaltadas, obrigando-os a modificar suas bicicletas. Pneus “gordinhos” — como contaria mais tarde Gary Fischer —, guidão largo, câmbio com dez marchas e freios a tambor eram as principais alterações — além de apaixonados por ciclismo, também eram bons “engenheiros/mecânicos”.

Após a conclusão da prova, que permitia qualquer tipo de bike, os Cupertino Riders nunca mais foram vistos, virando lenda entre os californianos. Essa história ficaria vagando entre as sequoias das florestas californianas se um marceneiro que trabalhou na casa de Gary Fischer em 1984 não tivesse comentado (ao reparar nas muitas mountain bikes que havia na garagem) que conhecia a primeira pessoa a construir uma MTB. Ainda que a importância dos Cupertino Riders para o surgimento da modalidade possa ser questionada, sua maior contribuição foi influenciar aqueles que de fato foram os maiores responsáveis pelo nascimento do mountain bike moderno, precursores da modalidade que conhecemos hoje.

 

 

BREEZER BIKES

Nascido em 1950, na periferia de San Francisco, Joe Breeze era antes de tudo um apaixonado por bicicletas. Começou cedo e descobriu ainda jovem que a bicicleta era o veículo mais eficiente e divertido para se chegar a algum lugar. Ao longo de sua adolescência, percorreu centenas de quilômetros com os amigos, competiu em muitas provas — inclusive chegando à elite do ciclismo de estrada —, se embrenhou por caminhos sem asfalto e alguns anos depois começou a criar os próprios quadros de estrada. Apesar de obter certo sucesso como ciclista e também como fabricante de quadros, Joe continuava explorando as montanhas da Califórnia à procura das maiores descidas de terra, utilizando antigos quadros de estrada com algumas modificações.

Certo dia, em 1977, Charlie Kelly, que era um de seus amigos de aventuras, lhe pediu um quadro específico para pedalar na terra. Alguns meses depois, utilizando materiais mais resistentes e soluções para acomodar peças e pneus específicos, Joe criou a Breezer #1, a primeira MTB moderna da história do esporte (confira foto na galeria abaixo). Entre o final de 1977 e o início de 1978, Joe Breeze recebeu uma encomenda de mais oito bikes do modelo. Nasciam assim as Breezers #3 a #10 (a #2 foi dada a Kelly). Nos anos seguintes, ainda bastante dedicado ao ciclismo de estrada, Joe não deixou de produzir e colaborar para o desenvolvimento do MTB, influenciando muitos atletas e fabricantes. Mas, definitivamente, sua maior contribuição foram as Breezer Bikes originais.

MOUNTAIN BIKES

Amigo pessoal de Joe Breeze e confidente no desenvolvimento de quadros e peças — mas não menos importante —, Gary Fisher foi um proeminente ciclista profissional, ganhando várias corridas em território americano nas décadas de 1970 e 1980. Além de excelente atleta, Gary era um exímio inventor e “faz-tudo”. Ainda em 1974, provavelmente após se encontrar com os Cupertino Riders, Gary Fischer adaptou uma Schwinn Excelsior equipando a bicicleta com freios a tambor, manetes iguais aos de motocicletas, um quick release no canote (para regulagem rápida) e um conjunto de marchas e coroas que, pela primeira vez, possibilitava ao grupo de amigos subir as montanhas que costumavam descer. Como muitos de sua época, ele também foi um embaixador do esporte, junto a Charlie Kelly, fazendo parte da criação das provas de downhill. Aliás, foi em 1979, em uma das muitas parcerias que os dois fizeram ao longo da vida, que surgiu o nome que definiria a nova modalidade no ciclismo: Mountain Bike. Tratava-se do nome da empresa criada por eles para a construção de bicicletas específicas para o recém-criado esporte. Somente no ano de estreia, eles venderam 160 MTBs.

APÓS 1980

A partir da década de 1980, com o aumento no número de competições de MTB, Gary trocou as vitórias no ciclismo de estrada por vitórias nas provas inaugurais de downhill MTB, e provas do que viria a ser conhecido em meados dos anos 80 como cross country MTB. Logo, como atleta e precursor, Fischer teve um papel fundamental no desenvolvimento do esporte, bem como na sua divulgação ao viajar os quatro cantos do mundo para apresentá-lo. Independentemente da hierarquização, Fischer pode ser considerado tão importante quanto seu amigo Joe Breeze, pois ambos influenciaram nomes indispensáveis para que o mountain bike chegasse ao estágio atual, como Tom Ritchey, Joe Murray, Mike Sinyard e Keith Bontrager, entre outros.

É difícil definir o exato número que o termo “produção em massa” representa em 1981, especialmente em um esporte recém-criado. De qualquer maneira, foi exatamente nesse ano que uma MTB passou a ser produzida em quantidade suficiente para se valer do termo. Fabricadas no Japão a partir de um esboço feito originalmente para mountain bikes sob medida — elaborado por Tom Ritchey, Gary Fischer e Charlie Kelly —, as primeiras Specialized StumpJumper (confira foto na galeria abaixo) foram criadas para ser as primeiras bicicletas de MTB produzidas em grande quantidade, mas com qualidade semelhante à das sob medida. Assim, com pouco mais de 500 unidades, a StumpJumper foi a primeira bicicleta voltada para o mountain bike que se podia comprar em uma loja qualquer da Califórnia.

Apesar do começo promissor, Mike Sinyard, fundador da Specialized, admitiu em entrevista que nos primeiros meses em que a StumpJumper foi colocada à venda as pessoas não entenderam muito bem a proposta, e alguns clientes de sua antiga loja chegaram a confundir aquela primeira MTB com uma “BMX para adultos”. Depois, porém, com adeptos se espalhando por todos os cantos — especialmente a partir da Califórnia —, não demorou muito para as pessoas entenderem e fazerem parte da proposta e estilo de vida criados graças a visionários como John Finley Scott, Gary Fischer, Joe Breeze, Charlie Kelly, Mike Sinyard e outros, bem como centenas de anônimos que indiretamente contribuíram para a origem da modalidade que hoje faz parte do programa olímpico — desde 1996 — e cativa milhões de praticantes em todo o mundo.

 

Por Marcos Lembo

 

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