Arquivo pessoalFoto: Arquivo pessoal

Cicloviagem: ele pedalou 1.939 km entre o Atlântico e o Pacífico

Atualizado em 22 de novembro de 2018
Mais em Papo de Pedal

O jornalista Diego Salgado encarou uma longa viagem de bicicleta entre setembro e outubro. Em 30 dias, ele pedalou 1.939 km e percorreu o trajeto entre os dois oceanos que banham a América do Sul, o Atlântico e o Pacífico. A jornada de Diego, de 36 anos, teve início em Rio Grande, no litoral gaúcho, e terminou em Valparaíso, no Chile. O que era para ser uma cicloviagem motivada pelo desafio pessoal de cruzar quatro países converteu-se em uma jornada de autoconhecimento, solidariedade e boas histórias.

“Tive de vencer os medos e começar a desatar todos os nós que apareciam, como procurar o lugar para dormir já com a noite posta, encarar o vento de peito aberto, lidar com a responsabilidade criada a partir do momento em que propus a viagem e até de criar um acostamento na estrada onde não existia. Não foram poucas as vezes em que tive de falar comigo mesmo na ânsia de me acalmar”, lembra.

Ciclista há 18 anos, Diego estudou o roteiro cuidadosamente, traçou um planejamento e embarcou sozinho para a cicloviagem. Poucos dias de pedal foram suficientes para perceber que seria impossível cumprir à risca o que havia planejado. No fim das contas, o jornalista precisou matar vários leões por dia durante um mês. Armar a barraca e descansar em um local seguro e com banho quente – como um pedágio em uma rodovia de San Andrés de Giles, na Argentina – já era uma vitória a ser comemorada.

A alimentação foi um dos pontos que escaparam do roteiro inicial. Mesmo carregando um fogareiro para economizar e preparar a própria comida, o cansaço o vencia ao fim do dia e o levava a comer em postos de gasolina, gastando cerca de R$ 50 diários, mais do que os R$ 30 que havia estipulado.

 

 

Além do bolso, o corpo também acusou o golpe de pedalar 72 km por dia, ora pelas dores no joelho, ora pelo gasto calórico altíssimo de ficar horas a fio em cima da bike. Antes de se deitar, ele sentia as roupas mais folgadas e conseguia apalpar os ossos – sinais claros de que estava perdendo peso rápido demais. A solução foi apostar em alimentos ricos em açúcar. Apesar de abusar dos refrigerantes e chocolates, ele encerrou seu desafio 5 kg mais magro.

Quando Diego imaginava que seus problemas não teriam solução, fosse para dormir, comer ou fazer reparos na bicicleta, pintava um desconhecido que lhe estendia a mão e salvava seu dia. As ajudas foram de caronas inesperadas quando ele já se preparava para dormir na Cordilheira dos Andes a convites para comer um tradicional churrasco argentino em um posto policial.

De tão marcante que foi a experiência por Brasil, Uruguai, Argentina e Chile, o jornalista decidiu transformá-la em livro. Ele pretende lançar a publicação até março de 2019. Abaixo, você confere dicas, episódios curiosos e perrengues vividos por ele em seu pedal sul-americano.

 

Após 1.350 km pedalando sozinho, Diego teve a companhia de Oscar e Matías, dois cicloviajantes que o acompanharam por 20 km

Pneus furados

Acostumado a pedalar em ciclovias e ruas asfaltadas de São Paulo, Diego era inexperiente quando o assunto era a mecânica de uma bike. Até então, ele nunca havia trocado um pneu de bicicleta em sua vida. Pedalar em províncias secas, com muitos espinhos no chão, fez com que ele tivesse que aprender como reparar a própria bike. Do km 1050 ao 1600, seus pneus furaram 11 vezes.

“Troquei um pneu pela primeira vez na vida no meio de uma estrada. Meu pneu tinha quatro furos e o dono de uma bicicletaria na cidade de La Dormida [província de Córdoba, na Argentina] me tratou superbem. Para construir um pneu mais resistente, ele cortou um pneu velho e colocou dentro do pneu que eu já tinha. Também fez uma revisão na minha bike e me chamou para almoçar na casa dele com a mulher e a filha”, recorda.

Boa infraestrutura na Argentina

Segundo Diego, a Argentina oferece condições melhores para os ciclistas do que o Uruguai, onde ele passou quatro dias sem tomar banho e dormiu em lugares que transmitiam insegurança.

“A Argentina tem uma rede de postos de gasolina chamada YPF. Lá, os funcionários te recebem bem. Dá para dormir na parte de trás do posto, tem wi-fi, lugar para tomar banho. Tomei banho muitas vezes de graça”, diz.

Churrasco com a polícia

“Muitas pessoas com quem eu cruzei no caminho fizeram do meu desafio o desafio delas. Elas queriam que eu chegasse lá da mesma maneira e passaram a torcer por mim”, conta.

Ao passar pela cidade de Diego de Alvear, na província de Santa Fe, na Argentina, o jornalista recebeu um convite inusitado. Com pena do brasileiro por todos os perrengues enfrentados, um policial o chamou para ir até o posto policial às 21h. E não havia maneira mais argentina de receber um visitante. Os policiais serviram um tradicional churrrasco argentino a Diego.

O ponto alto

Cadeia de montanhas mais extensa do mundo, a Cordilheira dos Andes oferece paisagens estonteantes aos seus visitantes. Para quem se aventura a desbravá-la de bicicleta, o ponto alto é a estrada de Los Caracoles. O nome é uma referência às 29 perigosas curvas do percurso de 1 km.

A sensação de descer a Cordilheira dos Andes salpicada pela neve não sairá tão cedo da cabeça do jornalista. “A descida foi um absurdo. Eu não acreditava no que estava acontecendo”, recorda. A imagem abaixo fala por si só.

Estrada de Los Caracoles, conhecida por suas 29 curvas e pela paisagem de tirar o fôlego

A lição que fica da cicloviagem

“Eu não tinha noção nenhuma do que era uma viagem tão longa. Tampouco da força mental que seria necessária ao encarar a estrada todos os dias sozinho a fim de ligar os dois oceanos em apenas um mês. Eu também não tinha noção da solidariedade que me atravessaria o caminho todos os dias, trazida pelas mãos de pessoas que tomaram para si meu objetivo de forma tão generosa, mesmo que por segundos (ou horas e até dias em alguns casos). Sem elas, seria impossível continuar. Assim como todas as mensagens recebidas fizeram diferença. Me ajudaram a empurrar os pedais quando a cabeça e os joelhos já davam sinais de cansaço. Voltei ao Brasil com outro pensamento sobre muita coisa. Os 1.939 km vão durar por muito tempo – arrisco dizer que serão eternos. E saber disso é a minha maior recompensa. Eu faria tudo de novo, sem uma mudança sequer”, conclui Diego.