Ultramaratonista fala sobre duro "desafrio" em SC

Atualizado em 19 de abril de 2016
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Urubici é uma cidade catarinense, distante 170km da capital (Florianópolis), cuja altitude varia de 900 a 1826 metros. No ponto mais alto da cidade, o CINDACTA II tem seus radares para rastreamento dos vôos, Morro da Igreja, a 1826 metros. A corrida se inicia  no centro da cidade e segue em aclive até o Morro da Igreja na Pedra furada. O Desafrio de Urubici mais uma vez se mostrou uma prova que exige o máximo dos atletas.

Os 50 quilômetros partindo do centro de Urubici e indo até o Morro da Igreja, com a chegada novamente no centro de Urubici, foram percorridos sob chuva e muito frio, passando por trechos de aclives acentuados que tornam essa corrida de montanha um desafio extremo.

Eu estive lá…e pude sentir as grandes dificuldades desta enérgica e linda prova. Foram 7 horas de corrida, com temperatura muito baixa, principalmente no alto do morro da Igreja, e sensação térmica abaixo de zero grau. A prova teve início às 7h30, com a largada ao lado do ginásio de esportes da cidade na manhã fria e chuvosa de Urubici. A chuva não parava, a largada foi autorizada e saímos em direção ao morro da igreja, logo o asfalto terminou e passamos por um trecho curto de paralepípedo e, após, piso de terra.

A chuva estava fraca e o frio até então não oferecia problemas, passamos por pequenas subidas e descidas, lindas paisagens até que, logo lá pelos km 4/6, a estrada começou a dificultar a passagem dos corredores pela lama que se formava. Íamos pelas “beiradas” procurando pisar em gravetos, grama, folhas que ali estavam. Chegamos a uma ponte de corda, onde tivemos que passar, e logo depois estávamos em um dos trechos mais complicados, uma subida muito acentuada que mais parecia uma “escalada” de mais ou menos 2 km. As pedras que se desprendiam e a terra molhada faziam desde trecho um desafio a mais, toda atenção se fez necessária, alguns escorregões foram inevitáveis. Superação foi a palavra esta hora.

Terminando a subida (“escalada”), voltamos ao piso de terra, com mais subidas e descidas. A dificuldade aqui estava na lama, que a essa altura já cobria muitos trechos da estrada, em alguns locais a opção era “ir pela lama ou ir pela lama” não havia escolha….Neste trecho um simples momento de distração e os tombos seriam inevitáveis, e aconteceu, enfrentei dois tombos e muitos escorregões. Correr nesse trecho se tornou uma atividade de risco, mas fui…em ritmo lento, porém, o esforço era muito grande para correr e manter o equilíbrio.

Neste trecho também tivemos que passar por riachos onde tínhamos que pisar em pedras e quaisquer descuidos poderiam provocar queda nas águas super geladas. Foi isso que aconteceu comigo, quando fui passar meu pé escorregou e fui com os pés para a água…nossa que gelo. Já no Km 13/14 uma linda cachoeira nos recebia com sua beleza e suas águas cristalinas e frias, o vento soprava e a temperatura despencava, já estávamos bem no alto, mas em matéria de frio estávamos no inicio.

Cheguei ao ponto de apoio da corrida, onde um colega que estava comigo desistiu. Aceitei da organização água, isotônico, bolachas e até sopa, servida quente em copos. Muito bom. Segui o caminho que iniciava com 9 km de subidas em asfalto, subidas com aclives acentuados e frio muito intenso, imagino que a essa altura estivesse beirando zero grau. Minha roupa e luvas estavam molhadas. O que me mantinha “quente” era estar em movimento, forcei nas subidas pois estava num piso que gosto e fiz bom treinamento para superá-las, nesse trecho passei por vários atletas, alguns andando, outros correndo muito lentamente.

Olhei para minhas luvas e notei que nas bordas dos dedos estava formando gelo, minhas mãos estavam começando a doer, comecei a mexer os dedos enquanto corria. Puxava o lenço que deram junto ao kit, e que envolvia o pescoço a boca e o nariz, o frio estava muito forte e o vento cortante. Passei pelo portal da aeronáutica (estávamos em área reservada) indicação que o final do morro estava perto, eu estava bem, apenas com muito frio e com dores nas mãos geladas.

Depois de muita subida cheguei ao ponto mais alto da corrida , o morro da igreja. Muita neblina e frio, muito frio… estava sim num “desafrio”, a vegetação ali era rasteira. Chegando no alto fui ao posto de apoio e tomei água, isotônico, bolachas, tirei as luvas e uma mulher da equipe de apoio (agradeço muito) fez uma massagem nas minhas mãos, coloquei as luvas e comecei a volta, seriam mais 25km, neste ponto estava muito feliz, pois a dificuldade de chegar ao ponto mais alto da corrida havida sido vencido.

Iniciei o retorno com mais 9 km de descidas em asfalto e muito frio e muita neblina, passei por atletas ainda na direção ao topo, procurava incentivar e fui com ritmo forte, estava fazendo na média de 5 min por km. Lá pelo km 33 o sol se insinuou, tentando sair, minhas mãos não apresentam mais dor e estavam mais quentes.

No km 35 o asfalto terminou o voltamos para a terra e trilhas, porém o sol não apareceu, o frio continuava mas não tão forte como antes. No início desse novo trecho foi tudo bem…trilhas, alguns trechos com lamas mas nada que atrapalhasse muito a corrida.

Passamos por lindas paisagens da região, trilhas, montanhas, estávamos ainda no alto apesar de já ter descido mais de 9 km. Algumas subidas se apresentaram, até que cheguei num trecho muito complicado cuja dificuldade foi a grande quantidade de lama, a mínima falta de atenção acabaria em tombo. Diminuí a velocidade, um colega que estava comigo nesta hora caiu (nada de grave), tive que achar um caminho por fora da lama, no entanto, este caminho foi curto e a trilha terminou e tivemos que voltar a lama e escorregar, escorregar…

Já no km 37-38 uma descida muito forte e extensa se apresentou e logo também muita lama, terra muito escorregadia. Eu estava em ritmo lento e mesmo assim ficar em pé ficou difícil. No km 39 mais um tombo, desta vez bati o braço no chão e doeu, mas nada que impedisse de continuar. Chegamos ao km 42 e aí pensei “já se foi uma maratona”, e o trecho de descida terminara. Agora retas com pequenas subidas e descidas e com um solo mais adequado. Comecei a forçar, imprimi um ritmo maior, mas com cuidado pois o solo, apesar de não ter tanta lama, estava molhado e qualquer deslize seria queda na certa.

Aumentei o ritmo mais um pouco fazendo 5min10s/km….muitas curvas, subidas leves e descidas leves, no km 47 entrei na cidade sozinho, no km 48, os últimos 2 km, começou o asfalto, um retão até a chegada em frente ao hotel principal da cidade. Estava com bom ritmo e quando faltava menos de 1 km para o final, avistei o pórtico de chegada… uma alegria só… fechei mais uma inesquecível corrida em 7h e 5min. Recebi a linda medalha que muito representa e fui logo me aquecer. Uma prova de superação, onde superar limites, perseverança, determinação, força são atributos nessa grande corrida – O Desafrio.

Marcos Vinicius Gagliardi, 38 anos, paulista de Botucatu, é maratonista e Ultramaratonista. Corredor desde 1984, já completou 33 maratonas, 2 ultramaratonas, 9 São Silvestre e mais de 300 corridas. O próximo desafio será a Super Maratona de Friburgo.

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