Você sabia que Neto já correu a São Silvestre?

Atualizado em 20 de setembro de 2016

Neto já esteve em alta, muito em alta. E já esteve em baixa. Após perambular pelo Millonarios da Colômbia, Matsubara, Guarani e Araçatuba, aquele que é considerado o herói do título do Campeonato Brasileiro de 1990, o primeiro nacional da história do Corinthians, voltou ao Parque São Jorge coberto por dúvidas e questionamentos, em fase descendente da carreira, em 96, aos 30 anos. A idade, considerada isoladamente, nem era o principal fator a pesar contra o camisa 10. O que pesava contra o canhoto era mesmo… o peso. Em forma arredondada, o jogador estava sem ritmo de jogo, carregando os excessos provocados por alimentação desregrada, que se aliavam ao delicado momento que se segue ao período de recuperação de uma cirurgia nos ligamentos do tornozelo.

Hoje apresentador de programas esportivos com prestígio na Band e na Band Sports, Neto topou falar, para a equipe de reportagem do Ativo.com, sobre o bico que deu no excesso de peso. E o chute na má forma física se tornou possível graças a um plano ousado, levado a cabo com sucesso: a meta de correr a São Silvestre de 96.

O experiente treinador de corrida Wanderlei de Oliveira, que tem um blog abrigado no próprio site da Band, publicou um texto no qual recorda a experiência. Ele não identifica o autor do desafio. Tampouco Neto atribuiu, na entrevista a nós, autoria à proposta, que soou amalucada, num primeiro momento. Seja quem for, o fato é que a ideia de conjugar, numa mesma frase, Neto e São Silvestre foi colocada em execução.

Dois meses antes da realização da 72ª edição da São Silvestre, Neto iniciou os treinamentos, que tiveram o aval de Flávio Trevisan, então preparador físico do Corinthians. Flavinho, como é conhecido no meio, é amigo de Wanderlei. Bem a seu estilo, Neto faz uso de uma das palavras mais empregadas em seu vocabulário para descrever o nível de conhecimento de Oliveira. “Ele é um monstro, diga-se de passagem”.

Com apetite (para treinar) Neto acordou às 6h da manhã e rumou para o Conjunto Constâncio Vaz Guimarães. Mais precisamente, para a pista do estádio Ícaro de Castro Mello, decatleta de prestígio em pistas décadas atrás. “A gente fez uma preparação incrível, que eu nunca imaginei que pudesse conseguir realizar. O ser humano não imagina que possa correr 5 km, 10 km, 15 km, uma maratona. Gosto de correr, mas meus tornozelos e minha articulação não me ajudam. Comecei com 5 km, depois fui pra 10 km e depois pra 15 km. Primeiro corri plano, depois atingi picos, depois dei tiros de 50m, 100m, 500m, me preparando aerobicamente. Com isso ganhei resistência, força muscular, perdi peso”, disse o craque, que corria, em campo, muito menos do que Giba, o lateral que dava esperanças à Fiel quando descia.

 

 

Em seu texto, Oliveira fornece o tempo e a colocação do chamado “craque Neto”: 1h29min10s, 5.893ª posição entre mais de dez mil corredores. “Ótimo resultado para um estreante de corrida”, elogia Trevisan. A expectativa de marca, elaborada com base nos rendimentos nos treinos, era um tempo situado entre 1h30min e 1h35min.

As lembranças, no entanto, comportam muito mais do que frios registros de números. “As pessoas sabiam que eu ia correr a São Silvestre”, diz Neto, que concedeu entrevista dentro das dependências da emissora, no Morumbi, entre um gole e outro de café (sem açúcar). Ele atribui a divulgação aos programas de TV e rádio e aos jornais, que o entrevistaram antes e depois da aventura em ruas e avenidas famosas da capital paulista.

“Muita gente não acreditava, e o pessoal que foi acompanhar a prova ficou me procurando com os olhos. Seria uma mentira? Mas me viram. Alguns me xingavam, xingavam o Corinthians. ‘Seu fdp, o que você tá fazendo correndo aí'”, diverte-se o apresentador, rindo antes de mais uma vez sorver o cafezinho expresso bem tirado na sede da Band e desacompanhado por aqueles docinhos de pires de café, raridade na dieta seguida pelo hoje bem mais fininho ex-jogador, em comparação com o jogador roliço e rebelde que foi um dia.

“Os corintianos ficaram superfelizes porque aquela foi minha volta ao Corinthians. Ao longo do percurso foram gritando ‘Vai, Neto, vai’. Acho que a São Silvestre não é parâmetro para quem é corredor não profissional, porque você lá consegue correr com o incentivo das pessoas. É 1 milhão de pessoas te vendo e te valorizando”, exagera o campeão nacional de 1990, o libertador, aquele que calou os que diziam que o Timão era regional, que só ganhava títulos de campeonato estadual.

O incentivo ajudou o canhoto a superar a subida de 2,5 km da Brigadeiro Luiz Antônio. O incentivo da Fiel e o apoio de Trevisan, Wanderlei e até de Eduardo Baptista, hoje treinador da Ponte Preta. Então com 26 anos, o filho de Nelsinho Baptista, que ocupava então o cargo de técnico do Corinthians, ajudou a escudar o camisa 10 com zelo.

“Sempre ficava um deles de coelho pra mim, marcando o ritmo. A hora em que eu tava cansado, um ficava ao meu lado, me incentivando. A hora que eu ficava bem, outro ficava. Eles se revezavam, me ajudando. Os três me ajudaram muito, e a Fiel também me empurrou. Mas devo dizer que os que não acreditavam em mim foram, na verdade, os que mais me empurraram. Muita gente não acreditava que eu era capaz de correr a São Silvestre. Até hoje, quando digo que corri essa prova, me dizem que sou um tonto, que é mentira. Então nem faço mais questão de falar. Mas é legal falar para a reportagem de vocês, que são de uma publicação que ajuda as pessoas, que as incentiva a correr”.

Por incrível que pareça, a perda de peso não proporcionou um benefício imediato ao futebol de Neto. “Demorei muito para me acostumar com esse peso menor. O meu peso, na época, girava em torno de 76 e 78kg. Tenho 1,74m. Aí fiquei muito magro, com 72 kg. Para me acostumar foi difícil, até para bater na bola. Eu me sentia muito fraco. Perdi muita massa muscular. Tive, depois, que ganhar massa muscular. Pro meu futebol não foi bom. Mas não corri em benefício da minha parte técnica, para jogar melhor. O legal é que eu não suportava correr e quis me provar. Disse para mim que podia correr e corri. Quero que se f… se foi bom pro meu futebol ou não. O foco era correr a São Silvestre e corri. Comecei, terminei, e foi legal pra caramba”, recorda Neto.

“Se você for fazer as contas, tive pace de 6min30, 6min50 por quilômetro. Isso para mim foi fenomenal. Se eu me condicionar hoje, sei que posso correr de novo. Posso fazer numas duas horas, mas consigo completar. Contudo, não quis correr outra vez. Não é o esporte que tenho vontade de praticar. Não acordo cedo disposto a correr. Prefiro bater uma bola com amigos. Mas ficou uma lembrança boa, de uma coisa legal que fiz”, diz o vice-campeão olímpico dos Jogos de Seul-88, antes de rumar para o estúdio, numa forma mais esbelta do que aquela arredondada de alguns de seus anos de jogador, diga-se de passagem.