Corrida futebol clube

Atualizado em 14 de dezembro de 2016
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É uma terça-feira às 8h da manhã no Estádio do Morumbi. Na pista que circunda o gramado, um septuagenário corre com vigor. A idade não é de corredor profissional, nem o uniforme. O calção é de uma marca que o São Paulo Futebol Clube não enverga desde 1995, a Topper. 

Na reta oposta, uma sócia se desloca com a desenvoltura de quem treina há tempos. Com maior velocidade, uma rapaziada mais jovem voa na pista. Eles integram o projeto social Ki Atleta-Arte da vida/SPFC. São provenientes de Paraisópolis, do Jardim Angela, de Osasco e até de Itaquera. Não se sabe quantos algum dia poderão se transferir às principais equipes do atletismo nacional. Fato é que ao menos 20 desses corredores se tornaram funcionários do próprio clube, encaminhando-se profissionalmente.

Às quartas e sextas-feiras, pela manhã, e também todas as noites, de segunda a sexta, o Parque da Água Branca, bem perto da Sociedade Esportiva Palmeiras, recebe os corredores palestrinos. O reluzente Allianz Parque não tem pista de atletismo, e o jeito que os associados que correm encontraram é dividir espaço com os galináceos, pombos e até um pavão que integram a fauna do tradicionalíssimo parque paulista. Antes da grande reforma do clube, os associados corriam por lá. O velho Palestra tinha pista. Já o Allianz é para shows, eventos e futebol. Apenas. 

Do outro lado da cidade, no clube situado na Rua São Jorge, 777, na terça-feira da semana anterior, o espaço disponível na sala do mini-ginásio reservada para o Corre Corinthians torna-se menor assim que chega mais um sócio-corredor. Nas estantes, os troféus se acumulam, e a sorridente treinadora Romina de Nicolai confessa, em tom de brincadeira, que o zum-zum-zum dos viciados em endorfina, ansiosos pelo início de mais um treino, por vezes a incomoda um pouco. “Tem horas em que preciso expulsar os alunos daqui!” Pouco depois, eles estão percorrendo um caminho no interior do clube que chega a 2 km, passando pela Fazendinha.

 

 

A reportagem do Ativo.com identificou esses três grupos de corredores/associados ligados oficialmente a grandes clubes de futebol que treinam sob a batuta de professores de educação contratados pelas agremiações. O Palmeiras tem ainda uma turma que recebe orientação de uma assessoria esportiva particular conveniada.

Há grupos de torcedores de outros clubes que também gostam de correr e resolveram simplesmente reunir as duas paixões. “A gente começou reunindo uns dez amigos para participar da 1ª Corrida do Galo, em outubro do ano passado. Hoje, a cada corrida em Belo Horizonte, temos uns 50 representantes nossos. Tivemos uma reunião com a diretoria do clube (Atlético-MG), pedimos autorização para usar o escudo e confeccionamos camisas da Galo Runners. Acho que já temos de 800 a mil corredores usando nossa camisa, não só em Minas, mas em São Paulo, Espírito Santo, Rio e Cuiabá”, diz João Batista.

Batista é categórico ao afirmar que correr com a camisa do Galo Runners lhe dá o chamado “gás a mais”. “Quando você está no sétimo quilômetro de uma corrida de 10 km, já cansado, sempre passa alguém que grita ‘Galoooo!!’. É uma palavra só, mas dá uma baita força. Há quem provoque também, gritando ‘Cruzeiro’. O efeito é o mesmo. A adrenalina sobe”, sorri o atleta.

Clubes de corrida
Não se sabe qual grupo tomou a iniciativa primeiro de aliar a corrida de rua com seu time do coração, criando os clubes de corrida, mas é fato que vários deles se especializaram em marcar presença em celebrações dos aniversários das agremiações. Anualmente, todo mês de setembro, o Corre Corinthians acende uma tocha no Parque da Independência, no Museu do Ipiranga, e corre, escoltado por batedores da Polícia Militar. Em agosto, os alviverdes paulistanos correram em torno do quarteirão onde se localiza o terreno do antigo Parque Antártica.

Em outubro, outros alviverdes, os paranaenses, têm compromisso marcado: o “Esquenta Corrida”, que conta com o grupo Coxa Runners, celebrando mais um aniversário do Coritiba, fundado em 1909.

Nacionalmente, o número de clubes de corrida ligados a grandes clubes não completa os dedos de duas mãos. Nem mesmo o Botafogo, gestor do Estádio do Engenhão, abriu a pista para seus associados treinarem. Pior: o clube se desfiliou da Federação de Atletismo do Rio justamente para não ser cobrado por não ter equipe.

O Flamengo, que se orgulha por ter formado tantos atletas que participaram dos Jogos Olímpicos, também não registra atividade nesse sentido. O atletismo é mencionado na letra do hino do Vasco da Gama, que participa do Troféu Brasil, principal competição nacional da modalidade. Adhemar Ferreira da Silva, inclusive, era atleta do “Gigante da Colina” no ano em que conquistou sua segunda medalha de ouro olímpica no salto triplo, em Melbourne-56. (Em 52, ano da primeira conquista, defendia o São Paulo). Mas não há grupo de corrida de rua em São Januário. O Fluminense tampouco oferece treino de corrida a seus sócios.

No Nordeste, há algum envolvimento de clubes de futebol com esportes de resistência. O Sport tem uma equipe de triatletas de elite e o Náutico apoia o conhecido ultramaratonista Eduardo Neves, que já participou inclusive da Comrades, importante prova da África do Sul. Oferecer a prática aos sócios do Alvirrubro, um dos mais antigos clubes do País, seria um projeto sensato, na apreciação de um profissional do marketing da agremiação, que preferiu não se identificar. “Você está me dando uma boa ideia”, disse para a reportagem do Ativo.com.

O mais democrático dos esportes não requer vultosos investimentos. Nos casos do Corre Corinthians e da turma palmeirense, por exemplo, as iniciativas dos associados é que deram origem às organizações. Talvez faltem apaixonados que percebam que podem criar algo mais saudável do que torcidas organizadas tristemente especializadas em pancadaria.