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Maratona de Chicago: o relato de quem realizou um sonho

Atualizado em 28 de dezembro de 2018
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Me inscrevi no sorteio para a Maratona de Chicago sem muita convicção, forçado por um amigo que queria companhia. Ele não teve sorte. Para mim, por outro lado, chegou um e-mail parabenizando por eu ter sido selecionado quando já nem lembrava de estar na disputa por uma das concorridas vagas.

Os dias foram passando e só me dei conta do desafio que me esperava quando a planilha destacou no pé da página: “10 semanas para a Maratona de Chicago”. Nesse momento, eu já estava pedalando e nadando por conta de um convite que recebi para fazer meu primeiro triathlon, o Ironman 70.3 Buenos Aires. “Você vai ver, Chicago é ainda melhor que Berlim”, me diziam aqueles que já tinham feito a major na Cidade dos Ventos.

Não sabia como os treinamentos do triathlon poderiam influenciar a minha preparação para a maratona, mas nas
últimas semanas antes de Chicago eu me sentia confiante e forte até para bater o meu humilde recorde pessoal de
3h32min em Berlim.

Maratona de Chicago: uma maratona de 4 dias

A Maratona de Chicago começa muito antes da largada no Grant Park. Nesse caso, senti que os meus 42 km começaram no avião de ida, no Aeroporto de Guarulhos. “Boa sorte aos que estão indo correr a Maratona de Chicago, aproveitem a viagem”, disse o capitão, para levantar aplausos e gritos de 70% dos passageiros.

Aterrissamos em Chicago na sexta-feira de manhã e chovia muito. Antes de entrar no trem rumo ao Distrito Médico, me entregaram um cartão de transporte integrado, com o logo da maratona e um desejo de boa sorte.

Antes de buscar o kit, dediquei algumas horas ao meu ofício de jornalista e cheguei ao Hotel Hilton para entrevistar o ídolo dos corredores, o japonês Yuki Kawauchi, entre outros atletas de elite.Com o kit em mãos e depois de percorrer a monstruosa expo, dediquei-me a dormir várias horas.

 

 

Ofuscado pelo Chicago Loop

No sábado, a ideia de descansar e jogar as pernas pro alto no quarto foi só uma ilusão. Afinal, ao caminhar por algumas quadras pelo Loop e pela Avenida Michigan, me apaixonei por Chicago quase à primeira vista. Não parei de caminhar e só fazia paradas para aproveitar os pontos turísticos, como o Cloud Gate, que parece um feijão, localizado bem no meio do majestoso Millennium Park.

Ao menos não descuidei da minha alimentação e me mantive hidratado. Chegou o dia da corrida e, como previsto, chovia. Saímos do apartamento com o Francisco, um amigo salvadorenho que, dias antes, completara o Ironman de Maryland (EUA).

Quando chegou a hora de descer ao Grant Park para procurar os nossos portões, o vento e a chuva nos convidavam a entrar em um táxi e acompanhar a corrida de dentro de um café. Mas estávamos ali para outra coisa, cada um com o seu objetivo.

Não havíamos treinado um ano inteiro para que uma chuva acabasse com a festa. Aos poucos, o dia clareou, ofuscou a noite e os ventos provenientes do Lago Michigan deram uma trégua necessária, limpando um pouco o céu.

Saltitando, com gestos nervosos e alongamentos tensos ao lado de atletas de todo o mundo, cada um foi deixando os corta-ventos e as roupas de descarte de lado para buscar o pelotão de largada correspondente. No meu caso, o C, na Rua Van Buren. Chegou a hora do hino americano, apresentaram Galen Rupp, Mo Farah e todo o grupo de elite e… largamos!

Somente 3 km mais

Já nos primeiros quilômetros senti as pernas pesadas e lamentei o meu extenso passeio turístico do sábado. “Hoje não é o dia”, pensei. Para piorar a situação, meu GPS enlouqueceu depois de atravessar o Rio Chicago pela primeira vez (são seis cruzamentos no total).

Antes de encarar a Grand Avenue, minhas parciais por quilômetro eram dignas de Eliud Kipchoge: 3:50, 3:25 e 3:45 por quilômetro. Sem referências claras, decidi correr por sensações e aproveitei para testar os conhecimentos sobre meu próprio corpo.

Na State Street, quase na frente do Teatro de Chicago, outro cartão-postal da cidade, decidi me juntar aos pacers de 3h25min para ver quanto tempo podia me manter nesse ritmo. “Três quilômetros mais”, eu prometia a mim mesmo, com o objetivo de não ser alcançado pelos pacers de 3h30min.

Assim, passamos pela LaSalle Street, Lincoln Park, bandas irlandesas, roqueiros adolescentes e cartazes engraçados como um que dizia: “A dor é momentânea, o Instagram é para sempre”. Eu sabia que o km 30, tão crítico das maratonas, chegaria um pouco antes do bairro mexicano de Pilsen.

A essa altura me sentia bem, muito melhor do que no começo, e os gritos de incentivo eram esse combustível que agora me convidava a pensar: “Hoje, sim, é o dia, nada nem ninguém vai me parar”. Quando chegamos a Chinatown, onde dragões e fogos de artifício nos deram as boas-vindas, estava 500 metros à frente do grupo das 3h25min.

Parei de olhar o relógio, não queria me autolimitar nem me suicidar. Chegou o km 40 e os gritos de milhares de
espectadores me fizeram acelerar cada vez mais. Minha mente se debatia entre pensar no ritmo das minhas passadas e relembrar de todos que estariam sofrendo por mim, do outro lado do tracker do App da Maratona de Chicago.

Rápido, muito mais rápido do que eu esperava, encarei a última curva, que separava a Avenida Michigan do grande final no Grant Park. Com os braços para o alto, sorri ao constatar que havia conseguido: 3h26min, a desculpa perfeita para saber que tudo tinha valido a pena. E que agora, finalmente, era hora de hóquei sobre o gelo, pizza e donuts sem aquela sensação de culpa.