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Doce Revanche: fui à Maratona de Berlim para esquecer Buenos Aires

Atualizado em 01 de dezembro de 2017
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Depois de um final acidentado na minha primeira experiência com maratonas, em Buenos Aires, comecei a repensar o meu futuro nas corridas de rua. Já tinha o título de “maratonista” e, apesar dos erros, havia conseguido o objetivo com um tempo digno para um estreante. Se eu havia aproveitado? Quase nada. Me desidratei, passei mal. Um tango portenho.

Semanas depois, entretido com um pedaço de bolo depois de um trote leve na USP, escutei algum delirante se referindo à Maratona de Berlim em 2017. Faltava quase um ano. Provavelmente, por essa razão, o comentário entrou por um ouvido e saiu pelo outro. Em questão de horas, não me perguntem como, estava na frente da tela, frenético, tentando de qualquer maneira uma vaga na major.

Completei a inscrição e começaram os treinamentos. Perto do final da preparação, um convite da Adidas para ser parte do grupo Adidas Runners facilitou a logística. Era o momento de voltar a encarar uma maratona. Apesar de existir um objetivo de tempo, um sub-3h30min, isso era o de menos. A meta primordial era, desta vez, curtir aquele evento histórico em um lugar fascinante, onde Eliud Kipchoge, Kenenisa Bekele e Wilson Kipsang estariam buscando o recorde mundial.

Cruzando o jardim do Parlamento Federal, o Bundestag, comecei a me sentir sozinho; os que me acompanhavam correram para ver a largada. Longa caminhada, tempo para pensar no que eu não queria pensar. Entro no meu pelotão, o F, faltando 35 minutos para o início. Toca uma música, parece U2; não consigo distinguir, mas me emociono pela enésima vez enquanto penso: “Concentração, estúpido”. Mudo o foco fazendo um aquecimento ridículo: não quero que me vejam, estou ali para ser forte.

POEEEEEEEEIRA!

9:15AM: largada para Kipchoge, Kipsang, Bekele e o resto dos mais rápidos. Durante os 20 minutos entre uma largada e a outra, converso com meus vizinhos de metro quadrado sobre o clima, a ansiedade e a música. Agora toca “Poeira”, da Ivete Sangalo. Reconheço, é um sinal.

Enfim, minha largada. Sinto que não estou descansado como esperava, as minhas pernas pesam. “Mentira”, digo, “estou perfeito”, e ajusto os meus tempos. O plano para a primeira metade da corrida já está em andamento, mas algumas ruas estreitas depois da Coluna da Vitória não permitem ultrapassagens.

Menos de 3 km percorridos e lembro das palavras da minha nutricionista Yana Glaser, que, entre outros tantos conselhos, me disse sem rodeios: “Se você sentir vontade de urinar, resolva logo”. Assim o fiz, batizando umas plantinhas do mítico Parque Tiergarten. Alívio. Perto do km 5, as avenidas largas ajudam para acelerar um pouco e recuperar o tempo perdido.

Passando a Alexanderplatz e chegando a Mitte, espio o relógio: 12 km. Penso em acelerar, mas me contenho para não voltar a falhar. Relaxado, toco a mão de algumas crianças, agradeço em um péssimo alemão quando me entregam água, penso na final da Copa do Mundo e até em Franz Beckenbauer.

A Maratona de Berlim é plana e não supera os 53 metros acima do nível do mar. O clima ajuda, está fresco. Garoa um pouco, mas não complica para os que não são de elite. Penso em acelerar, mas seguro até passar da metade do percurso.

 

 

ATÉ O FINAL, SEM QUERER QUE ACABE

Supero os 21 km em Kreuzberg, um bairro que chamou a minha atenção pela elegância decadente de seus edifícios e a animação de seus moradores. Há uma banda a cada 100 metros: jazz, rock alemão, clássicos internacionais e até uma apresentação de capoeira no meio da rua.

Agora sim, chegou o momento de acelerar, mas sem perder a cabeça. Estou me divertindo, não quero que a Maratona de Berlim acabe nunca. Sei que o pior está por chegar, mas já flerto com esse destino iminente. Sigo um dinamarquês de sobrenome “Solkjaaen” — ou algo assim —, que dita um ritmo que me favorece: é o coelho perfeito. Não o perco até o km 32, quando algumas subidas aparecem. São quase imperceptíveis, e ajudam quando se transformam em descidas. Onde foi parar o Solkjaaen?

Pouco antes de chegar a Hohenzollerndamm, uma rua larga com um canteiro central perto do km 37, me dou conta de que a meta já estava logo ali. Paro para tomar água, engulo um gel, respiro e vou. Falta pouco, mas não sei se quero que termine. Minhas pernas sim, elas querem que acabe e se manifestam.

Em algum momento me distraio, ou as duas paradas para tomar água consumiram mais tempo, porque depois da última curva à esquerda consigo ver o imponente Portão de Brandemburgo e, ao olhar o relógio, vejo que já não conseguirei o sub-3h30min. Sorrio. Na verdade, não importa. Acelero até o final, porque posso. Fecho em 3h32min32s com meus 32 anos, nada mal. Abraço um desconhecido, beijo a minha medalha e penso que, metros depois, estarei atacando uma cerveja que, apesar de ser sem álcool, é uma delícia. Obrigado, Alemanha.

Prova: Maratona de Berlim

Data: 24/09/2017

Número de corredores 43.582 (39.101 finishers)

Cidade: Berlim

País: Alemanha

Clima: 12°C (Fresco)