Sonho impossível: diferenças genéticas na corrida

Atualizado em 08 de novembro de 2016
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Os supercorredores comuns que entrevistamos na reportagem “Performance dos Sonhos“, da revista O2 de outubro, são muito bem treinados e preparados para a prática esportiva, estão melhorando bem o VO2 max e contam com o apoio de vários profissionais do esporte que acompanham constantemente a sua evolução.

Mesmo assim, suas melhores marcas — em geral, na faixa de 1h25min a 1h30min nos 21 km e 3h a 3h20min na maratona — são muito distantes do que conseguem os melhores fundistas do planeta. Os motivos para esse abismo na prática esportiva são dissecados aqui pelo treinador cubano Lázaro Velázquez:

1) Na idade de início da prática esportiva organizada e planejada, existem as chamadas fases sensíveis do desenvolvimento das capacidades físicas. Por exemplo: se um indivíduo do sexo masculino não desenvolver o trabalho de velocidade nas idades de 7 a 9 anos e de 13 a 15 anos, pode nunca alcançar seu máximo potencial. Acontece igual com o desenvolvimento aeróbico, muito importante entre os 13 e 16 anos, etapa em que deve receber os estímulos adequados para alcançar seu máximo potencial no futuro.

2) O início tardio na prática esportiva pode levar a lesões frequentes, o que influencia negativamente a performance psicológica do atleta.

3) Quanto ao objetivo e foco na corrida, o corredor comum não tem como principal objetivo ser um corredor profissional. Isso sem dúvida afeta a performance, que exige uma dedicação integral ao esporte. Há muito tempo que não existe mais atleta “amador” na elite.

4) Falta tempo para verdadeiramente se desenvolver um trabalho profissional, composto por treino (número de seções/ano), recuperação-descanso (meios modernos que aceleram a recuperação) e alimentação.

5) Carência de equipes multidisciplinar e interdisciplinar focadas no alto rendimento. Lembremos que o trabalho de alto rendimento, por ser caro, é focado em poucos atletas, para os quais dão 100% de atenção.

6) Além desses fatores, os melhores corredores de resistência do planeta têm, geneticamente, uma composição das fibras musculares adequadas. Mas não basta só ter maior quantidade de fibras lentas; elas têm de ser treinadas para ser recrutadas no momento certo. Possuem também menor acidose metabólica a ritmos elevados (o que leva a uma menor acumulação de ácido lático); capacidade maior de mobilizar ácidos graxos durante a corrida de longa duração; um altíssimo VO2 max e uma elevada economia de enercapagia a elevados ritmos de corrida, qualidade desenvolvida desde as fases sensíveis, dos 6 aos 13 anos de idade, em ambos os sexos. 

 

 

Os tops costumam possuir um biotipo privilegiado de canelas finas, pernas mais longas em relação ao tronco, corpos muito leves, entre outras características, e um preparo psicológico capaz de suportar os diferentes tipos de fadiga.

Quem deseja, mesmo assim, lutar contra o impossível, tem que passar, segundo Lázaro, por algumas distâncias e marcas-base: 8min30s nos 3.000 metros, 14min30s nos 5.000, sub30min nos 10.000 e 1h06 na meia-maratona. Só chegando perto dessas marcas seria possível sonhar com uma maratona sub-2h20, feito que classificou os atletas para a Olimpíada do Rio 2016 (índice de 2h19). Daí a brigar por vitórias em maratonas importantes exigiria tempos já abaixo de 2h10min, como as 2h08min44 que deram o ouro na Olimpíada do Rio para Eliud Kipchoge, queniano, claro!

E, caro sonhador, caso a sua loucura por alcançar os tops — na maioria quenianos — persista, como enfrentará outra determinante implacável, chamada pelo pesquisador genético Rodrigo Gonçalves Dias, de “lastro fisiológico” — as gerações e gerações de quenianos que, desde a infância, provocados por fatores ambientais e socioeconômicos (altitude, falta de conforto, busca de alimentos e água, distâncias grandes até a escola etc.) percorrem quilômetros e quilômetros a pé todos os dias?