Lesões no crossfit: mito ou realidade?

Atualizado em 31 de janeiro de 2017
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Por Bruno Smirmaul*

O crossfit é um programa de treinamento com movimentos funcionais “da ginástica, levantamento de peso, corrida, remo, dentre outros”, realizados de forma “constantemente variada, em alta intensidade” – segundo o próprio site da modalidade. Com mais de 12.800 afiliados no mundo e cerca de 700 boxes afiliados no Brasil, a modalidade se tornou extremamente popular nos últimos anos.

Porém, devido a presença de movimentos complexos e normalmente em alta intensidade, há grande preocupação sobre o risco de lesões, gerando dúvidas e discussões não só entre os profissionais de Educação Física, mas também na mídia e entre a população em geral. Assim, é importante analisar o conhecimento científico atual sobre esse tema.

Até o momento, poucos são os estudos que analisaram questões relacionadas à ocorrência de lesões em praticantes usuais (não militares) dessa modalidade. Enquanto três deles investigaram praticantes dos Estados Unidos (Hak et al, 2013; Weisenthal et al, 2014; Summitt et al, 2016), o primeiro estudo com praticantes do Brasil foi recentemente publicado (Sprey et al, 2016).

Interpretação dos Estudos Até o Momento

A análise dos estudos revela diferentes prevalências de lesões até o momento, com valores variando de 73,5% [desde o início da prática] (Hak et al, 2013) a 19,4% [nos 6 meses prévios do estudo] (Weisenthal et al, 2014).

Os principais locais afetados por lesões parecem ser a região dos ombros e coluna (Hak et al, 2013; Weisenthal et al, 2014), sendo que 23,5% das pessoas sofreram alguma lesão nos ombros nos 6 meses prévios de participação (Summitt et al, 2016).

Além disso, os exercícios mais relacionados com as lesões, até o momento, parecem ser os levantamentos de peso/olímpicos (overhead press e snatch, por exemplo) e os movimentos ginásticos (kipping pull-up e ring muscle-up, por exemplo), segundo Weisenthal et al, 2014 e Summitt et al, 2016).

Como já esperávamos, informações preliminares apontam que a realização de um período específico para iniciantes, assim como um maior envolvimento/supervisão dos treinadores, apresenta potencial para redução das lesões (Weisenthal et al, 2014; Chachula et al, 2016).

Vale ressaltar que a maioria dos estudos foi realizada nos Estados Unidos, o que pode acarretar em diferenças culturais relacionados à prática e/ou na qualidade de supervisão dos profissionais envolvidos. Similarmente, eventuais comparações em relação às lesões com outros esportes/atividades ainda são apenas preliminares, devido à falta de estudos específicos de comparação.

Ainda vale ressaltar que relatos de casos têm associado a prática do crossfit com:

– casos de infarto;
– rompimento da artéria carótida;
– ruptura traumática do músculo latíssimo do dorso;
– ruptura do tendão de aquiles, e
– rabdomiólise [nota da redação: quebra rápida de músculo esquelético devido à lesão no tecido muscular].

 

 

Alguns desses eventos, como a rabdomiólise, têm sido muito divulgados pela mídia. Porém, tais lesões também ocorrem com a prática de muitas outras modalidades. Apesar de ser um importante alerta, relatos de caso apresentam baixo poder de estabelecer relação de causalidade, sendo que tais eventos podem estar associados a outros fatores não conhecidos, e não à prática específica do crossfit. Futuros estudos comparando a prevalência e severidade de tais eventos entre diferentes modalidades poderão aprofundar o conhecimento sobre o tema.

Por fim, é extremamente recomendado que a prática da modalidade seja orientada por profissionais qualificados e com alto nível de envolvimento, presentes e ativos (corrigindo os exercícios), assim como com a realização de um período específico para iniciantes. Além disso, atenção especial deve ser direcionada principalmente à região dos ombros e coluna durante levantamentos de peso/olímpicos e movimentos ginásticos.

Algumas recomendações

1) Os poucos estudos até o momento indicam prevalências de lesões bem variadas, indo de 73,5% (desde o início da prática) a 19,4% (nos 6 meses prévios), sendo a região dos ombros e coluna os locais mais afetados por lesões. Levantamentos de peso/olímpicos e movimentos ginásticos parecem estar relacionados à maioria das lesões. 

2) Recomenda-se a prática do crossfit com profissionais qualificados e com alto nível de envolvimento, em boxes autorizados com profissionais de educação física, presentes e ativos (corrigindo os exercícios), e que ofereçam um período específico para iniciantes. Além disso, atenção especial deve ser direcionada à região dos ombros e colunas, principalmente em relação aos levantamentos de peso/olímpicos e movimentos ginásticos.

REFERÊNCIAS

Alexandrino GM, Damásio J, Canhão P, Geraldes R, Melo TP, Correia C, Ferro JM. Stroke in sports: a case series. J Neurol. 2014 Aug;261(8):1570-4. [link]

Chachula LA, Cameron KL, Svoboda SJ. Association of Prior Injury With the Report of New Injuries Sustained During CrossFit Training. Athletic Training and Sports Health Care. 2016 Jan/Feb;8(1):28-34. [link]

Chatterjee T, Siddiqui Z, Winston T, Ferguson M, Zumwalt M. Acute Achilles Tendon Rupture From Cross Fit Training. Journal of Bone Reports & Recommendations. 2015; 1(1):1-4. [link]

Friedman MV, Stensby JD, Hillen TJ, Demertzis JL, Keener JD. Traumatic Tear of the Latissimus Dorsi Myotendinous Junction: Case Report of a CrossFit-Related Injury. Sports Health. 2015 Nov-Dec;7(6):548-52. [link]

Hak PT, Hodzovic E, Hickey B. The nature and prevalence of injury during CrossFit training. J Strength Cond Res. 2013 Nov 22. [In Press] [link]

Lu A, Shen P, Lee P, Dahlin B, Waldau B, Nidecker AE, Nundkumar A, Bobinski M. CrossFit-related cervical internal carotid artery dissection. Emerg Radiol. 2015 Aug;22(4):449-52. [link]

Rathi M. Two Cases of CrossFit®-Induced Rhabdomyolysis: A Rising Concern. Int J Med Students. 2014;2(3):132-4. [link]

Sprey JWC, Ferreira T, de Lima MV, Duate Jr A, Jorge PB, Santili C. An Epidemiological Profile of CrossFit Athletes in Brazil. Orthop J Sports Med. 2016 Aug; 4(8): 2325967116663706. [link]

Summitt RJ, Cotton RA, Kays AC, Slaven EJ. Shoulder Injuries in Individuals Who Participate in CrossFit Training. Sports Health. 2016 Aug 30. pii: 1941738116666073. [In Press] [link]

Weisenthal BM, Beck CA, Maloney MD, DeHaven KE, Giordano BD. Injury Rate and Patterns Among CrossFit Athletes. Orthop J Sports Med. 2014 Apr 25;2(4):2325967114531177. [link]

Texto originalmente publicado em www.efbe.com.br

*Bruno Smirmaul é fundador e Autor Principal do site EFBE – Educação Física Baseada em Evidências. Professor das Faculdades ASSER nas seguintes disciplinas: i) Fisiologia do Exercício; ii) Saúde e Sustentabilidade; iii) Medidas e Avaliação; iv) Programas de Academia; v) Atividade Física para Grupos Especiais; vi) Estágio Supervisionado. Doutor em Atividade Física e Saúde pela UNESP Rio Claro, mestre em Biodinâmica do Movimento e Esporte pela UNICAMP (com estágio de pesquisa na University of Kent com o Prof. Samuele M. Marcora) e graduado em Educação Física pela UNICAMP (com estágio de pesquisa na University of Cape Town com o Prof. Timothy D. Noakes).