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Relato da Brasil Ride

Realmente, a região da Chapada Diamantina é especial. Além das paisagens espetaculares, da comida deliciosa, dos rios e cachoeiras, das cidades curiosas e cheias de história, possui as melhores trilhas onde já pedalei.

Demora uns dias para se acostumar às pedras e areia (e pedras com areia em cima que deixa tudo mais escorregadio), mas depois de rodar o prólogo e acelerar na largada da prova, a pedalada flui e é um tal de sobe e desce pedra muito bom – para quem curte trilha, é claro.

Minha Specialized Woman Era S-Works 29″ full suspension significou mais do que uma conquista na minha carreira de atleta, pois eu tinha em mãos, simplesmente, a melhor ferramenta possível para o que iria enfrentar. Uma máquina maravilhosa que tirou sorriso do meu rosto mesmo nos momentos mais difíceis.

A dupla em ação no prólogo – Foto: Sportograf/Brasil Ride

Quem acompanhou a prova pelo Facebook, Insta e afins, com certeza, soube que esse ano tinha muito mais areia que no passado, deixando os percursos mais “pesados”. Não posso reclamar disso, acho que meu peso ajudou a passar pelos areiões 🙂   – mas que tem muita areia… isso tem!!!

Quando decidi que ia fazer a Brasil Ride, nesse ano, coloquei como pré-requisito ter uma dupla que, antes de mais nada, fosse uma pessoa com quem tivesse muito respeito e amizade.

Eu na Brasil Ride – Foto: Sportograf/Brasil Ride

Queria formar uma parceria forte, pois sei que em uma prova como essas – uma das mais difíceis do mundo -, nossos limites são testados e nossas fragilidades são escancaradas… Ficamos vulneráveis.

Eu não queria compartilhar isso com qualquer pessoa – e também não queria ter grandes surpresas em relação ao meu parceiro no meio da competição.

Foi baseada nisso que propus ao Mandetta a parceria. Além de ser um grande amigo e parceiro de treinos, nosso nível técnico é muito parecido e ele estava cada vez mais focado e forte na bike.

Foi muito especial poder correr com um amigo, compartilhar as dificuldades e conquistas. E no meio disso, um pouco de diversão.

Infelizmente, meu parceiro não teve dias muito bons na bike, sofreu brutalmente com o calor do 2º dia, e acabou tendo um desempenho geral aquém do que era capaz.

Mesmo assim, tivemos momentos de muita força juntos. Um deles, em que o “Mandetta foi o Mandetta”, foi na 6ª etapa, voltando de Rio de Contas pra Mucugê.

Começamos a etapa muito devagar, com cuidado para ter energia até o fim. De repente, por volta do km 70 o “Pag” despertou e disparou montanha acima, me largando pra trás.

Depois de uma conversa, acertamos o ritmo da dupla e seguimos recuperando uma boa parte do tempo perdido no início da etapa.

Eu e Mandetta – Foto: Sportograf/Brasil Ride

A tal da 2ª etapa (Mucugê X Rio de Contas)

Também tivemos um pouco de falta de sorte com problemas mecânicos, principalmente na 2ª etapa.

Antes de entrar no Vietnam, o Mandetta – já sofrendo com o calor – teve problemas com o freio traseiro, e resolvemos remover as pastilhas. Até aí, tudo bem.

O problema é que essa etapa da Brasil Ride exigia todo e mais um pouco de treino e reserva de energia que temos, e isso, somado ao calor que estava, atrapalha qualquer planejamento.

Um dos problemas de pedalar cansado e se sentindo mal em trilhas é que fica quinhentas vezes mais difícil de pilotar a bike. Qualquer obstáculo se torna um obstáculo de verdade e em um trecho que não deveria oferecer nenhum perigo, o Mandetta acabou se enroscando em uma bike que foi deixada muito perto da trilha e na queda machucou feio o antebraço (depois teve que levar 15 pontos!!).

Entrada do Vietnam – Foto: Sportograf/Brasil Ride

Mais pra frente, tive um chain suck bizarro. A corrente prendeu em três lugares diferentes (chain master fuck), e levamos por volta de 1h para resolver o problema, entre soltar a corrente, ver que não era suficiente, afrouxar/soltar a coroa, perder um parafuso na areia, tentar prender a corrente no calor e desespero, querendo sair daquele lugar o quanto antes.

Na correria e adrenalina para não perder o corte – as longas pausas do Mandetta para se refrescar na água nos deixaram sem margem para problemas mecânicos – acabei dando uma porrada no disco traseiro em uma descida de pedra bem técnica no final do Vietnam – o que me custou uma roda 95% travada. Não tínhamos tempo e resolvi seguir com a roda presa mesmo, até onde desse.

Depois do Vietnam, subimos mais um pouco e descemos muuuuuuuuuito, uma descida íngreme em estradinha e muita areia. Fui embora achando que ele estava na minha roda, já subi a outra rampa tentando usufruir de algum momento. Tinha uma respiração atrás de mim e achei que era ele, mas quando cheguei no topo e olhei, não reconheci nenhum dos rostos. E tampouco ele estava por perto. Comecei a voltar e depois de um tempo nos encontramos, ele teve que descer a pé, pois não tinha mais freio dianteiro.

Saída do Vietnam – Foto: Sportograf/Brasil Ride

A essa altura eu já sabia que a nossa linha de chegada não seria em Rio de Contas, e sim no corte de Arapiranga. O Mandetta – acho que por conta do cansaço – não estava compreendendo nossa situação e tinha certeza que chegaríamos em Rio de Contas pedalando.

Arrumamos o freio dele e depois o meu. E seguimos para Arapiranga.

Não foi tanto frustração que eu tive, e sim raiva, estava brava. Tínhamos 100% de condições de terminar a etapa e com um bom tempo. Eu tinha que ter sido mais firme e puxado meu parceiro para fora do Vietnam, o quanto antes possível. Não fosse tanta curtição da água (e eu de certa forma passiva – não queria ser chata) não teria tido chain fuck e nem me enrolado na pedra depois. Teríamos tempo para arrumar o freio dianteiro e passar do corte.

Quando chegamos em Arapiranga eu já tinha deixado pra traz minha braveza e aprendido a lição. Me juntei com as outras meninas divertidas que também ficaram no corte e começamos a compartilhar nossas histórias e fazer piadas. Pudemos dividir o gosto amargo de ficar no corte e não concluir uma etapa. Tinha muita gente lá, mais de 50 pessoas com certeza.

O Mandetta se juntou aos outros meninos legionários também cortados, todos tentando compreender o que deu errado – e outros apenas sobrevivendo, ainda passando muito mal pela desidratação.

Mais tarde – se não apenas no dia seguinte pela manhã – ficamos sabendo que todos que ficaram no corte de Arapiranga continuavam na competição com uma penalização de 5 horas.

Por causa da desclassificação do dia anterior, tinha me preparado para fazer o circuito do Cross Country (3ª etapa) à tarde, quando a pista estivesse vazia, para poder curtir. Com a notícia, me arrumei correndo e fui pra largada. Acabei alinhando lá atrás, o que me custou caro pois tenho certeza que um bom local na largada me garantiria a 4ª volta. Eu acabei dando 3 e o Mandetta 2 voltas – ele aproveitou o dia para recuperar.

Etapa de XC – Foto: Sportograf/Brasil Ride

A 4ª etapa foi talvez a melhor de todas. Tivemos um desempenho regular e me diverti muito no downhill do Kamikaze. Nos trechos mais quentes da prova tive o luxo de beber água super gelada do meu camel back que começava a descongelar. Apesar da nossa diferença de ritmo na subida, meu parceiro manteve-se constante e chegamos muito bem em Rio de Contas. Acho que foi nossa melhor colocação na prova.

A 5ª etapa começava com uma subida pouco íngreme, primeiro em estrada depois em trilha com muita areia. Depois, seguiríamos em trilha por um bom tempo. Fizemos uma largada forte com o intuito de ficar no pelotão do meio e conseguir chegar bem nas trilhas – onde teríamos potencial para andar bem e ganhar um tempo.

Um pneu furado no começo da descida em trilha roubou muito tempo e nossa largada forte garantiu apenas que não ficássemos muito pra trás. Conseguimos recuperar apenas um pouco do tempo que perdemos.

Já dei uma pincelada de como foi a 6ª etapa, retorno de Rio de Contas pra Mucugê acima. Foi nossa melhor etapa como dupla, a partir do km 70 entramos em um ótimo ritmo e assim seguimos até o final.

O último dia foi para fechar com chave de ouro uma prova sem quedas sérias e curtindo as trilhas de Mucugê. Foram aproximadamente 4 horas em despedida e conclusão desse grande desafio que é a Brasil Ride. Os treinos, o cansaço, a dificuldade de conciliar o trabalho com a bike, as inseguranças sobre condição física e etc… A resposta de tudo estava ali – eu consegui! É possível. Foi possível!

Foi muito diferente do que eu esperava, uma batalha mais de cabeça do que de perna, mas isso me ajudou a determinar melhor meus objetivos na bike, deu mais consistência aos meus valores e, de uma vez por todas, fez eu acreditar em mim mesma.

O que fica, agora, é mais e muita vontade de pedalar e superar meus limites. Não vejo a hora de subir na bike e começar um novo ciclo. Que venha 2015 e novos grandes projetos!

Valeu super pag amigão Mandetta! Essa ficou pra história!

Valeu super-amigão Mandetta! Essa ficou pra história! – Foto: Sportograf/Brasil Ride

Obrigada a todos que me apoiaram e tornaram essa missão possível: Família, namorado, amigos e todos os colegas de trabalho. Sei que é estranho e difícil compreender e conviver com essa minha vida minha dupla (e meu estresse na véspera de prova que também é duro!). MUITO OBRIGADA, amo vocês.

Aos meus parceiros e apoiadores, imensa gratidão: Caçula de Pneus, Specialized, Pedal Urbano, Mr. Tuff (NUUN, Honey Stinger, Optimun Nutrition), Adriana Nascimento, Marcos Maitrejean (Movimento Funcional).

Um muito obrigada especial à equipe Pedal Urbano (Guto, Renato, Zé Mecanico, Pimpolho, Dani, e toda turma) que me deram um apoio profissional essencial para fazer uma Brasil Ride tranquila e com prazer de subir na bike limpa, lubrificada, calibrada e regulada a cada dia. Sem contar com a torcida e risadas! Valeu pessoal!

Viviane Favery

Campeã brasileira de mountain bike marathon (2015), é atleta da equipe alemã Rose Vaujany fueled by ultraSPORTS e já representou a seleção nacional em alguns campeonatos mundiais. Fora das trilhas, corre para conciliar a vida de ciclista profissional com a de publicitária e marketeira, além de compartilhar suas dicas de pedal em um boletim semanal na Rádio Jovem Pan Online FM, batizado de Bike by Vivi Favery.

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Viviane Favery

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