Grant Hackett e a derrota que o engrandeceu

Atualizado em 25 de maio de 2017
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Vocês provavelmente conhecem Grant Hackett. Talvez ele dispense apresentações. Mas ainda assim faremos uma breve introdução ao que ele representa na natação logo mais. Nos últimos tempos, o ex-nadador australiano tem estado em evidência. Por motivos bons e ruins.

Em 2015, aos 35 anos, após seis anos e meio longe da natação, conseguiu classificação para competir o Mundial de Kazan com a equipe do revezamento 4x200m livre. Conseguiu um bronze por ter nadado as eliminatórias da prova e foi altamente celebrado por público e imprensa.

Em 2016, o sonho acabou ao não se classificar para os Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro.

Após deixar as piscinas novamente, agora tem aparecido no noticiário devido ao seu comportamento errático, envolvido em brigas e polêmicas com bebidas e drogas.

Parece ser mais um caso de nadador australiano que tem dificuldades em se ajustar fora das piscinas, como foi o caso de vários ex-atletas como Ian Thorpe, Geoff Huegill e Leisel Jones.

Mas esse é um assunto para outro dia. Hoje, falaremos do Grant Hackett nadador.

E que nadador. Muitos o consideram o maior nadador e provas de fundo da história, à frente até mesmo do lendário russo Vladimir Salnikov.

Não é para menos. Muitos de seus feitos estão na história do esporte.

Só para mencionar alguns:

– Sete medalhas olímpicas (três ouros, três pratas e um bronze);

– Bicampeão olímpico nos 1500m livre, e o homem que mais chegou perto de um tricampeonato olímpico na natação antes de Michael Phelps conseguir em 2012 (em 2008, já bicampeão da prova, Hackett bateu o recorde olímpico na eliminatória com um tempo que lhe daria o ouro na final, mas terminou com a prata);

– Invicto por mais de uma década nos 1500m livre;

– Seu recorde mundial dos 1500m livre em piscina de 50m durou dez anos e foi o único masculino a passar intacto pela era dos trajes tecnológicos (2008-2009); na prova, é também o recorde que mais durou, após, em 1956, a FINA passar a reconhecer recordes apenas em piscina de 50m (antes, recordes podiam ser batidos em diversas metragens de piscinas);

– Recordista mundial dos 200m e 1500m livre em piscina de 50m, feito que apenas ele e o americano Tim Shaw conseguiram na história da natação masculina;

– Tetracampeão mundial consecutivo nos 1500m livre, feito igualado somente por Ryan Lochte nos 200m medley (Michael Phelps foi cinco vezes campeão nos 200m borboleta, mas não de forma consecutiva).

Grant Hackett celebra vitória nos Jogos Olímpicos de Sydney, em 2000 (foto: Gregg Porteous)

Grant Hackett celebra vitória nos Jogos Olímpicos de Sydney, em 2000 (foto: Gregg Porteous)

São seus feitos mais significativos, mas a lista poderia prosseguir.

À parte das vitórias, recordamos aqui de uma derrota que o marcou. E que, ao lado de suas inúmeras conquistas, contribuiu para que seu status como mito se eternizasse.

O ano era 2007. Hackett vinha de um domínio nos 1500m livre jamais visto.

Sua última derrota na prova havia sido na Seletiva Olímpica Australiana de 1996. Ele tinha 16 anos.

A partir de então, foram duas Olimpíadas, quatro Mundiais, três Pan-Pacíficos e dois Jogos da Comunidade Britânica sem que sua hegemonia fosse ameaçada.

Foi então que chegou o Mundial de 2007, em Melbourne, na sua Austrália natal.

Hackett havia passado por uma cirurgia no ombro em 2006 que o havia tirado do Pan-Pacífico e dos Jogos da Comunidade Britânica.

Longe da melhor forma, o Mundial não começou de forma promissora para ele: um terceiro lugar nos 400m livre, uma prova em que, desde 2000, apenas Ian Thorpe conseguia lhe tirar o ouro.

Era o prenúncio de uma competição diferente.

Nos 800m, decepção maior: sétimo lugar, 17 segundos acima de seu recorde mundial então vigente.

Grant Hackett no Mundial de Melbourne, em 2007 (foto: Mark Dadswell/Getty Images)

Grant Hackett no Mundial de Melbourne, em 2007 (foto: Mark Dadswell/Getty Images)

Foi quando começou a se aventar nos bastidores a possibilidade de Hackett desistir dos 1500m, prova que seria disputada no último dia do Campeonato.

Aparentemente sem chances de vitória, ao abrir mão da prova ele manteria imaculada a invencibilidade que detinha por de mais de 10 anos, a maior da natação mundial, para tentar mantê-la na Olimpíada do ano seguinte.

Muito se falou sobre uma eventual desistência. Se ele não nadasse a prova, certamente muitos outros australianos, derrotados nas seletivas para a competição, gostariam de estar no lugar dele.

Mas diante de um ídolo do porte de Hackett, todos o perdoariam. Ele tinha crédito infinito. Para manter uma tradição nos 1500m livre, a prova de estimação australiana, então, mais ainda.

Só que esqueceram de convencer o próprio Hackett. Desistir seria a alternativa mais fácil. Mas ele não considerou a hipótese.

“Não se pode desistir de uma prova só porque você não pode vencê-la”, declarou antes mesmo da prova, prevendo que a vitória seria impossível. “Tenho que ir lá e dar meu máximo”.

De fato, em condições físicas precárias, foi para o sacrifício e terminou a prova na sétima posição. O sonho do penta consecutivo, inédito em Mundiais até hoje, tinha acabado. E também a invencibilidade de mais de dez anos.

Mas, de uma tacada só, ele deixava várias lições. De respeito aos colegas de equipe e aos adversários; de espírito esportivo ao entender que mais valia a dor da derrota do que a vergonha de não tentar; de superação ao lutar até o final, independente se é um ídolo ou um iniciante, disputando uma Olimpíada ou um regional.

Pode parecer paradoxal. Mas, naquele dia, a derrota de Grant Hackett o fez ainda mais campeão.