Corredores veganos provam: performance independe de carne

Atualizado em 08 de agosto de 2017
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Pedro Lutti, corredor de montanha, obviamente está acostumado a subir. Mas se engana quem pensa que suas pernas o levam morro acima apenas em treinos e provas de sua especialidade. “Famoso”, nas devidas proporções de seu restrito meio, como um dos corredores veganos de alta performance, ele pode ser visto nos finais de semana em sua bike carregando grãos e demais alimentos orgânicos e naturais.

Preparar os próprios alimentos e pesquisar constantemente para evitar o consumo de qualquer produto que embuta exploração animal em seu processo de fabricação são atividades que constroem a rotina de qualquer um dos corredores veganos que se prezem. E também usar meio de transporte ativo ou público, que não agridem o meio ambiente. São afazeres que demandam tempo e esforço, assim como treinar para correr em alto nível. Ser um corredor vegano, portanto, é muito mais do que evitar carne, ovos e leite. É reservar tempo para se dedicar a várias tarefas, todas consideradas  importantes.

Numa era em que a informação é compartilhada em redes sociais e consumida constantemente, a desinformação trafega com igual desenvoltura. E ainda impera, na apreciação de boa parte das pessoas que se interessam por esporte, atletas incluídos, a percepção de que não ingerir carne significa performance esportiva inferior em comparação com o desempenho de praticantes de esporte omnívoros, aqueles que também fazem uso de proteínas obtidas na carne.

 

 

A força vem da carne?

Há alguns anos, grandes atletas derrubam esse mito. Alguns, à força de pancadas. É o caso de Eder Jofre, vegetariano desde 1956. Ele se profissionalizou no ano seguinte. A reportagem do Ativo.com procurou a família do Galo de Ouro, hoje com 80 anos. O melhor boxeador da década de 60 (à frente de Muhammad Ali, segundo a Ring Magazine, considerada a Bíblia do boxe) conquistou o cinturão mundial dos galos, em 60, e o dos penas, em 73. O Alzheimer, no entanto, o impede de dar entrevistas com lucidez frequentemente.

Transcrevemos, então, uma frase dita à reportagem da Revista da ESPN em 2010: “Sou, sim (vegetariano). Li um livro, chamado A Saúde Depende da Cozinha, que te convence de que a carne é estragada, putrefa dentro do estômago. Isso me convenceu. Eu queria era ser campeão. Ia comer carne? Até hoje não como”.

Horácio Reis, pai de Fernando Saraiva Reis, quinto colocado na Olimpíada do Rio no levantamento de peso, acredita que a carne, especialmente a bovina, é fundamental para quem pratica esportes que requerem muita força. Fernando costuma comer carne até mesmo no café da manhã. “Note que a Índia não consegue bons resultados no levantamento de peso”, diz Horácio, que é também presidente da Federação Paulista de Levantamento de Peso. Não é verdade. Uma das poucas medalhas da história olímpica da Índia, em que quase 80% da população professam a religião hindu, que proíbe o consumo de carne bovina, foi obtida justamente nessa modalidade. Em 2000, Karnam Malleswari se tornou a primeira indiana medalhista olímpica da história ao conquistar o bronze na categoria até 69 kg. Antes, fora bicampeã mundial entre as atletas de até 54 kg.

“As pessoas acreditam numa mística de que a carne vai lhes dar uma força ou um poder que os vegetais não têm. Isso não existe”, diz Pedro Lutti, que faz parte do grupo de corredores veganos e é uma prova de que desempenho esportivo e veganismo podem caminhar (ou melhor, correr) juntos.

Lutti foi o segundo colocado na prova Bertioga-Maresias, de 75 km, em maio. “Costumo falar às pessoas o seguinte: se você pegar um pedaço de carne e desmembrar em nutrientes ou componentes químicos, vai perceber que encontra tudo em fontes vegetais. Só não encontra a vitamina B12, que a gente pode encontrar sintetizada. Todo o restante se encontra em outros alimentos”, diz Pedro, que nunca deixa faltar arroz, feijão e abacate em seu cardápio.

Performance no alto

Recomenda-se que um vegano principiante no mundo das corridas tenha o acompanhamento de um bom nutricionista. Desde logo, é interessante absorver alguns conceitos. O nutricionista Rafael Brasília salienta que a proteína vegetal tem porcentagem menor de aproveitamento em comparação com a animal. Logo, é necessário consumi-la em maior quantidade.

Sidney Togumi, da assessoria Upfit, é o treinador encarregado da preparação de Lutti e de Diego Brandão, habitual parceiro de Lutti em competições de duplas. Professor de pós-graduação na FMU, especialista em Treinamento Desportivo pela Universidade de Havana, o técnico e corredor de longas distâncias é todo elogios aos corredores veganos que orienta. “Não passo nenhum treinamento diferenciado aos veganos. Eles montam um cardápio que lhes fornece todos os nutrientes necessários para correr com alta performance. Há os veganos de alta performance e os comuns. Em todos se observa um biotipo mais magro, o que obviamente é interessante para um corredor. Como são muito regrados, a menor ingestão de gorduras ruins e a ingestão de gorduras boas, como a das castanhas, por exemplo, são alguns dos fatores que os ajudam a correr bem”.

Uma alimentação mais natural, sem corantes, sem as toxinas encontradas na carne, é interessante sobretudo em períodos de recuperação dos corredores veganos. Alguns atletas omnívoros recorrem a uma dieta vegana enquanto se tratam de lesões, e depois voltam à dieta habitual.

Dave Scott, campeão do Ironman do Havaí por seis vezes, recorreu a uma dieta vegetariana no período de preparação para essa competição. Carl Lewis, dono de dez medalhas olímpicas, sendo nove de ouro, é vegano desde 90. Em 91, obteve o pico de sua performance no memorável Mundial de Atletismo de Tóquio. A disputa do salto em distância, em que Lewis, com 8,91m, perdeu para Willie Banks (8,95m), é considerada um dos maiores duelos da história esportiva. Na capital japonesa, Lewis pela primeira vez cruzou uma linha de chegada e teve o WR (world record) dos 100m livre pespegado ao lado de seu nome nas telas de TV – cravou 9s86. Velocidade vegana.

Portanto, se algum dia você avistar um corredor trajado com camiseta na qual se lê “Força Vegana”, um dos grupos organizados de corredores com essa orientação alimentar, trate de respeitar. E, caso ainda desconfie do potencial desses grandes comedores de vegetais, saiba que esse descrédito só os incentiva.

“Esses boatos de que a dieta vegana é insuficiente para atletas de alta performance só me dão mais força. Acham que não é possível não comer carne e ter resultados. Isso me dá mais motivação”, diz Diego Brandão, parceiro de Lutti.