Prof. Dr. Reinaldo A. Bassit

Atualizado em 28 de julho de 2016
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 Nos últimos anos temos visto um interesse renovado no papel dos aminoácidos de cadeia ramificada durante a prática da atividade física e seus efeitos benéficos e deletérios. É fato, no entanto, que muito se fala, mas pouco se comprova. Assim, existe a necessidade de se fazer uma análise crítica sobre o que de fato existe a respeito do uso dos aminoácidos de cadeia ramificada, leucina, isoleucina e valina (BCAA).

A primeira questão diz respeito ao papel dos BCAA durante a atividade física, ou melhor, porque utilizá-lo? Uma rápida pesquisa nos bancos de dados indica alguns motivos: redução da fadiga central durante o exercício prolongado e melhora da performance, embora isso seja discutível, e principalmente a manutenção da resposta imune após o exercício físico intenso e prolongado,

Os BCAA são aminoácidos essenciais, oxidados rápida e preferencialmente pelo músculo esquelético, notadamente durante exercícios de intensidade moderada/alta e longa duração, situação na qual se observa uma queda em suas concentrações plasmáticas, provocada pelo maior desvio destes aminoácidos para a produção de energia durante o exercício.

Considerando-se que o aumento da utilização de BCAA durante o exercício leva a diminuição da sua concentração plasmática, e que estes são utilizados, pelo músculo esquelético, como substrato para a produção de glutamina, aminoácido considerado não essencial, importante, entre outras coisas, para a manutenção da função da resposta imune, este pode ser um dos mecanismos envolvidos na imunossupressão que se observa após a prática de atividades exaustivas de longa duração tipo triatlon, ciclismo, maratona, e corridas de aventura.

É fato, amplamente reconhecido pela comunidade científica, que a atividade física prolongada e intensa esta associada a um aumento na incidência de infecções no pós-exercício, como das infecções do trato respiratório superior (ITRS), fato descrito desde 1903. Diversos estudos demonstram este quadro de imunossupressão em atividades como o triatlon olímpico, corrida e ciclismo, assim como em outras modalidades.

Este quadro é fruto de uma série de alterações fisiológicas que envolvem mudanças neuroendócrinas e metabólicas, como a queda da concentração plasmática de glutamina e/ou mudanças observadas nas concentrações plasmáticas de citocinas. Nossos estudos indicam que a suplementação de BCAA, antes e durante a atividade física, é capaz de impedir a queda da glutamina observada após o exercício, reduzindo, em cerca de 40%, a incidência de sintomas de ITRS.

Assim, se pensarmos na rotina de treinamento de atletas envolvidos em provas de longa duração, em especial triatlons, maratonas, ultramaratonas, provas de ciclismo de resistência, e provas de aventura, que envolve grande volume e/ou intensidade, a redução na incidência de infecções não só contribui para garantir ao atleta melhor qualidade de vida, como também impede que o mesmo fique muitos dias afastados do treinamento, podendo exercer, portanto, um efeito ergogênico indireto, pelo aumento de disponibilidade do atleta.

Outro aspecto, discutível, que poderia justificar o uso de BCAA durante a atividade física é a fadiga central, quadro caracterizado por perda súbita da performance sem comprometimento severo dos estoques energéticos, quadro típico, também, de provas de longa duração e intensidade moderada/alta, como a maratona, na qual é reconhecida, a fadiga central, como a -barreira-.

De fato, aqueles que já correram a maratona e se depararam com a barreira, ou conhecem alguém que já tenha passado pela experiência, sabe que, repentinamente o atleta perde rendimento, após alguns minutos caminhando, no entanto, consegue voltar ao seu ritmo normal.

Segundo Blomstrand 2001, a -barreira-, assim como a fadiga intensa pós-atividade, vem sendo associada a flutuações na produção de serotonina, um neurotransmissor envolvido no controle da motivação, humor, e sonolência, decorrente, provavelmente, das flutuações nas concentrações plasmáticas de aminoácidos, como observado pelo Prof. Eric Newsholme, da Universidade de Oxford, em 1986.

No tocante à prevenção da fadiga central, a suplementação com BCAA durante a prova é importante para manter o balanço BCAA/triptofano, uma vez que estes aminoácidos competem pelo mesmo sítio de entrada no sistema nervoso central. Assim, mantidas as concentrações plasmáticas de BCAA, mantém-se o fluxo adequado de triptofano para o SNC e evita-se a fadiga central.

Entre as evidências para a importância do fluxo adequado de triptofano e da produção normal de serotonina para a manutenção da performance, podemos destacar que o tratamento de atletas com inibidores da recaptação de serotonina diminuem o tempo de tolerância ao exercício físico de intensidade moderada em cicloergômetro, assim como que a administração de agonistas de serotonina, ou seja, drogas que simulam sua ação, promove queda da performance em ratos treinados, enquanto drogas que inibem os efeitos da serotonina aumentam a tolerância ao esforço prolongado.

Com base nestes dados, inúmeros trabalhos, cuja revisão pode ser feita em artigo publicado por Blomstrand (2001), mostram que a ingestão de BCAA reduz a sensação de fadiga, física e mental, durante o exercício, e aumenta a performance em tarefas mentais/cognitivas após a atividade, fato este que, por si só, já traria subsídios suficientes para a recomendação do consumo de BCAA por atletas de provas de -aventura- e demais provas de longa duração.

A queda na concentração de BCAA durante atividades de longa duração esta associada, entre outras coisas, à sua utilização como fonte energética, notadamente a leucina. Assim, a suplementação de BCAA antes e durante a atividade cumpre dois papéis:

1 – fonte energética, muito embora em condições particulares, ou seja, em atividades de longa duração e intensidade moderada/alta, principalmente se houver comprometimento severo dos estoques de glicogênio, podendo, nesse caso, contribuir com até 17% do fornecimento de energia para os músculos;

2 – esta ligado à síntese de substratos neoglicogênicos, notadamente alanina, utilizada pelo fígado para a síntese de glicose e conseqüente manutenção da glicemia durante a atividade, além de servir como um sistema tampão, diminuindo a formação do ácido láctico, outro papel que estaria ligado à diminuição da fadiga periférica.

Além destes efeitos, a suplementação de BCAA tem demonstrado ser capaz de induzir síntese protéica e reduzir a proteólise provocada pelo exercício (devido ao fato da leucina contribuir com aproximadamente 10% para a formação de HM?), assim como, diferentes quadros patológicos, e reduzir a liberação de marcadores, pós-exercício, de lesão celular.

Existe uma grande quantidade de evidências, baseadas em trabalhos desenvolvidos por diferentes e respeitados centros de pesquisa, ao redor do globo, que apontam para os benefícios inequívocos do consumo de BCAA antes e durante a atividade física.

Ao sugerirmos a suplementação com BCAA sempre nos questionam sobre possíveis efeitos deletérios. Uma busca criteriosa na literatura mostra que, se consumido dentro de limites adequados, não há sobrecarga renal ou hepática, assim como são poucos os efeitos colaterais relatados. Observa-se, em resposta à suplementação, um aumento da captação muscular de amônia, e sua conversão em glutamina e alanina, aminoácidos com elevado potencial neoglicogênico, assim como aumento da síntese protéica, levando à redução da amônia circulante, pela sua maior captação periférica.

Este consumo deve, no entanto, ser indicado e controlado por um nutricionista qualificado, para que o atleta possa retirar o máximo de benefício deste suplemento.

Prof. Dr. Reinal
do A. Bassit
, da Total Nutrition Sports & Fitness, e que assina esta coluna, é nutricionista, mestre e doutorando em Ciências pelo Laboratório de Metabolismo do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo, com diversos prêmios na área nutricional. É responsável pela avaliação e orientação nutricional de atletas olímpicos como Oscar Galindez, Leandro Macedo, Mariana Ohata, Aurélio Miguel e outros atletas de ponta, como Ivan Albano.