Pilota de provas: a trajetória de Carol Barcellos

Atualizado em 15 de julho de 2020
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Corrida é uma palavra bastante presente na vida da jornalista Carol Barcellos. Repórter da Rede Globo há 16 anos, mãe de Júlia, de 8 anos, ela já aprendeu a conviver bem com a correria do dia a dia para conciliar a Carol mulher, mãe e profissional. “Amo ser mãe. Amo ser mulher. Amo ser jornalista. Tenho tesão na vida e na loucura que ela nos traz…”.

Já da corrida propriamente dita, uma de suas grandes paixões, Carol tira os ensinamentos para enfrentar os desafios da reportagem ou os que a vida impõe. O último deles foi a Covid-19. No fim de abril, a jornalista testou positivo, mas, apesar do susto, só teve sintomas leves. Durante a quarentena, por causa da doença, ela, que em 2016 escreveu o livro Quebrando os limites, trabalhou — e se exercitou — em casa.

A perseverança, a disciplina e o foco aprendidos nas corridas de rua — são três ultramaratonas (Jungle Marathon, com 127 km, Deserto do Atacama, com 250 km e Chapada Diamantina, com 50km) e três maratonas (Buenos Aires, Jerusalém e Polo Norte) — a ajudam em seus desafios profissionais. Ter completado a Maratona do Polo Norte, segundo Carol, em reportagem para o quadro “Fôlego Máximo”, do Esporte Espetacular, em 2013, foi sua maior superação física e emocional.

A repórter passou 28 horas no Polo Norte e correu a maratona mais fria do planeta, com 35 ° C negativos. Depois vieram as aventuras do programa Planeta Extremo, com o também jornalista Clayton Conservani, com quem correu no Deserto do Atacama e no Floresta da Amazônia.

A corrida também trouxe uma realização pessoal. Após entrevistar Kathrine Switzer, primeira mulher a correr a Maratona de Boston, em 1967, a lendária americana sugeriu que Carol transmitisse para outras pessoas os ensinamentos da corrida. Foi o incentivo crucial para que ela iniciasse, em 2017, o projeto social Destemidas, com meninas do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro.

Por que você escolheu o jornalismo como profissão?

Sabe que até a minha filha, Júlia, me perguntou isso outro dia… Na época do vestibular, cheguei a pensar em cursar faculdade de economia e direito. Mas sempre quis comunicar. Meu bisavô brincava, quando eu era pequena, dizendo: “Essa menina vai ser jornalista! Meu Deus! Como gosta de falar!” E aqui estou eu hoje (risos).

E como foi o caminho para o jornalismo esportivo?

Muito por acaso. Eu gostava de praticar esportes, mas nunca tinha pensado em trabalhar com esporte. Fiz a prova para estagiar na Rede Globo em 2004 e, no processo de seleção, a editoria de Esportes me escolheu. É engraçado. Foi o esporte que me escolheu. Sorte a minha.

Como você consegue conciliar a atividade física com a profissão, que inclui viagens, coberturas em diferentes lugares e horários?

Ah, são malabarismos que todos nós aprendemos a fazer. O suor alimenta a minha alma. Eu preciso do esporte. O esporte me ensina, me acalma, me humaniza. Me ensina a viver.

Quando você sentiu que deveria sair da posição de repórter para ser a protagonista de suas reportagens?

Eu não senti, me convidaram para assumir esse novo lugar. E, no início, confesso que tive uma certa resistência. Ainda acho estranho, às vezes. Aceitei porque me ajudou a exercer meu trabalho com mais sentimento, mais verdade. E eu amo isso!

Quando você faz uma retrospectiva da sua carreira, que reportagem te enche mais de orgulho?

A Maratona do Polo Norte, que eu fiz para o quadro “Fôlego Máximo”, do Esporte Espetacular, em 2013. Foi transformadora para mim. A Júlia, minha filha, tinha acabado de completar 1 ano. Como mulher, foi muito importante me sentir forte naquele momento. Lembro bem de tudo que aquela corrida me custou. Mas tenho orgulho de outras reportagens também. E isso é muito valioso para mim. Fico muito feliz quando vejo verdade no meu trabalho. A cobertura da Copa do Mundo feminina de futebol, em 2019, na França, também foi muito marcante. Fiquei muito grata pela chance de estar ali, naquele momento.

Guarda decepções na profissão também?

Eu substituiria “decepção” por “aprendizado”. E eu tive muitos. Há muitos trabalhos que, quando revejo, acho que poderia ter feito melhor. Nossa, muitos mesmo! Mas acho que dei o melhor que eu podia naquele momento. É preciso aceitar isso.

Como é o seu dia a dia?

Bastante corrido. E eu amo. Amo ser mãe. Amo ser mulher. Amo ser jornalista. Tenho tesão na vida e na loucura que ela nos traz.

Como surgiu sua parceria com o jornalista Clayton Conservani, com quem você fez o Planeta Extremo? No programa, vocês dois testavam os limites do corpo e da mente, enfrentando desafios inimagináveis.

Até hoje eu não sei bem por que me escolheram para ser parceira dele. Mas foi um presente. Tive a chance de viver momentos incríveis. O Clayton me acolheu, me ensinou, me protegeu. E isso não tem preço.

Enfrentar situações tão fora do comum é transformador? Sempre saímos diferentes desses desafios? O que o Planeta Extremo te ensinou? 

Que a vida é intensa. Que a vida é um puta desafio. Incrível. E, também, que as conquistas exigem dedicação e vontade. Apesar de todos os sacrifícios, no final sempre acaba valendo a pena.

Como foi a experiência no terremoto do Nepal, em abril de 2015? (O país foi atingido por um terremoto de magnitude 7,8, o mais devastador desde 1934, deixando mais de 1.900 mortos e mais de 4.700 feridos. A força do tremor foi sentida também em Bangladesh, na Índia, na China, no Paquistão e no Monte Everest, onde uma avalanche provocada pelo abalo deixou pelo menos 17 mortos.) Vocês foram para fazer uma reportagem e acabaram tendo de cobrir uma tragédia. Como foi “virar a chave” naquele momento?

Uma das experiências mais tristes que já vivi. Quem diria que ainda viria a Covid-19 para atingir o mundo. Nunca esqueceremos o Nepal. O que vimos, o que sentimos, o que choramos e como nos unimos. Foi uma cobertura feita com o coração, por instinto.

Como é ser mãe da Júlia? Que mundo está se criando para ela?

Ah, quem sabe um dia encontrarei uma forma de te falar… Hoje, a Júlia é luz, é amor, é… a Júlia. Espero que ela seja humana e generosa. Que seja leve e dê muitas risadas! E que o mundo lhe retribua!

Qual a importância da corrida na sua vida?

A corrida me deu e ensinou tanto. Minha pouca sanidade vem da corrida (risos).

A corrida é muito parecida com a vida. É um passo à frente do outro…

O que você leva da corrida para a sua vida profissional?

Muito. Na verdade, tudo. A dedicação, o comprometimento, a força de vontade, a superação da dor, a certeza de que o grande aprendizado está no caminho…

Se pudesse ter uma máquina do tempo, que fato esportivo você queria ter coberto? 

A chegada cambaleante da suíça Gabrielle Andersen na maratona dos Jogos Olímpicos de Los Angeles, em 1984. Era a primeira vez que mulheres participavam dessa prova em uma Olimpíada. Vê-la completar é ver a essência e a beleza do esporte. E da vida. Na época eu tinha 3 anos…

Como foi seu encontro com a lendária Kathrine Switzer, primeira mulher a correr a Maratona de Boston, em 1967 (naquela época, mulheres eram proibidas de correr a prova e ela teve que se inscrever com o nome abreviado para não ser impedida de participar, mas o diretor da prova a descobriu correndo e tentou tirá-la da maratona, e essa cena se transformou em uma foto icônica no esporte)? 

Viajei para Boston em 2017 exclusivamente para entrevistar a Kathrine para o Esporte Espetacular. Naquele ano, ela correria novamente a prova para comemorar os 50 anos de sua primeira participação na Maratona de Boston.

O que você acha que teria acontecido se ela não tivesse feito o que fez?

Durante a entrevista, falamos das conquistas dela, sobre tudo que ela tinha feito na corrida. Na hora de me despedir, agradeci não por ser uma pessoa que gosta de corrida, mas sim como mulher. Ela marcou também a luta das mulheres pela igualdade de direitos. Eu estava realmente emocionada no fim da entrevista. Ela é uma mulher muito forte, que sabe o que fala, com muita segurança. É encantadora, assim como a força e a potência que ela tem.

No fim da entrevista, eu não sabia que tinham contado a ela que eu também era corredora. Foi uma baita surpresa quando ela me disse: “Só te faço um pedido: que passe adiante o que a corrida te deu às mulheres que estão a sua volta. Porque a liberdade vem do coração”. Eu não esperava por isso. Foi muito louco porque o pedido dela ficou realmente martelando na minha cabeça. E já era uma vontade que eu tinha de fazer algo desse tipo. Eu tinha de ter um projeto em que pudesse fazer essa troca, poder retribuir também.

E o que houve?

Eu me lembro muito bem. Quando voltei para o Brasil depois da Maratona de Boston, fiquei com aquilo na cabeça. Resolvi correr atrás para colocar a ideia em prática. Conversei com a área de responsabilidade social da Rede Globo sobre minha vontade de desenvolver um projeto de transformação pelo esporte, pela corrida. Daí surgiu o Destemidas. A Kathrine sabe que criei o projeto. Já nos falamos e ela, inclusive, assinou uma foto e mandou para as meninas.

Você é uma mulher engajada nas causas feministas. Com a ONG Luta pela Paz, do Complexo da Maré, você criou o projeto Destemidas, que faz da corrida uma ferramenta de inclusão social para jovens mulheres da comunidade. Como é trabalhar com essas meninas que vivem em uma das regiões mais violentas do País? O que você passa para elas e o que recebe de retorno? 

Elas me inspiram muito porque são verdadeiras guerreiras, mulherões! Trocamos, damos a mão uma para a outra, é uma experiência incrível. Somos um grupo de corrida, treinamos juntas, mas a verdade é que a corrida é um pretexto para estarmos juntas. E sabermos que temos alguém ao lado para nos apoiar. O nosso grupo só aumenta.

Como você se relaciona com seus seguidores? Como é servir de espelho para essas pessoas?

Eu gosto da troca. Ainda que possa nos machucar, às vezes. Gosto de poder ler e saber a opinião dos outros sobre o meu trabalho. Mas me recuso a “trocar ódio”.

Como você lida com os comentários dos haters?

Sinto, mas evito ler o que remete a ódio. Sabe, na minha casa, me ensinaram que recebemos o que oferecemos. Busco passar energia boa. E tenho recebido muita coisa boa em troca. Meus pais tinham razão.

Você foi contaminada pela Covid-19. Como lidou com essa situação? O que passou pela sua cabeça ao saber que seu teste tinha dado positivo?

Eu me senti indefesa, tive medo. Fiquei assustada, mesmo não tendo chegado a sintomas graves. Mas é aquilo: por que eu? Ou… por que não eu?

Como está sendo a sua rotina de trabalho com a pandemia?

Segui trabalhando de casa. Comecei com a produtora Mônica Agra uma série para falar da vida dentro de casa. Um quadro chamado “Pratique e inspire”, para o RJ TV. É uma nova rotina. De manhã, priorizo os estudos com a Júlia. Almoço com ela, o que é um privilégio, e, depois, foco direto o trabalho.

Que projetos profissionais foram interrompidos pela pandemia?

O principal foi o sonho de poder viajar para cobrir a minha primeira Olimpíada. Eu estava escalada para ir ao Japão este ano. Mas precisamos ter noção das prioridades. Hoje, o sonho é de todos e é muito maior: saúde.

Está conseguindo se exercitar no confinamento? O que tem feito?

Claro! Vinha me exercitando, parei para a recuperação do coronavírus e voltei. Encomendei caneleira e halter, e tenho treinado com professores via FaceTime.

Tem alguma dica para quem quer se manter saudável trancado dentro de casa?

Queria que alguém me desse essa dica (risos). Acho que o importante é viver um dia de cada vez. Penso em como fazer daquele dia um bom dia. E assim… sigo.

Muitas pessoas acham que sairemos diferentes dessa pandemia. Você acredita que o medo da contaminação e a preocupação com o outro vão transformar o comportamento da sociedade? Acredita que esse período de distanciamento social deixará ensinamentos?

Que a ninguém reste dúvidas de que somos todos iguais, com os mesmos medos e angústias. Precisamos dar as mãos. A vida fica mais leve quando encaramos tudo juntos.

Qual é a primeira coisa que sonha fazer quando tudo isso acabar?

Abraçar, abraçar e abraçar. E correr, correr e correr.

Por Iúri Totti