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Vai correr a maratona de Nova York? Saiba tudo sobre a prova

Atualizado em 31 de outubro de 2019
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Além da dimensão imbatível — são cerca de 50 mil competidores de quase 150 nacionalidades —, em 2014 a Maratona de Nova York superou grandes atletas e equipes esportivas do mundo todo para vencer o prestigiado Prêmio Príncipe das Astúrias, por sua contribuição aos mais nobres valores e ideais do esporte.

“A Maratona de Nova York simboliza a melhor convivência possível entre o esporte amador e o profissional. É a máxima expressão do esporte, da colaboração cidadã e do espírito solidário”, declarou o corpo dos jurados ao premiar o evento.

A prova do próximo dia 3 de novembro terá embates marcantes, como a disputa entre a tetracampeã Mari Keitany e a recordista mundial de meia-maratona Joyceline Jepkosgei, além da presença de Desiree Linden, campeã de Boston no ano passado.

No masculino, o vencedor de 2018, Lelisa Desisa, da Etiópia, quer o título em Nova York para coroar uma temporada já vitoriosa – ele venceu a maratona do Campeonato Mundial de atletismo, disputado em Doha. Desisa, que correu para 2h05min59s no último ano, terá como principal concorrente Geoffrey Kamworor, do Quênia, que venceu a Maratona de Nova York em 2017. Do

Calor local e percurso árduo

Nova York oferece uma das maratonas com público mais caloroso, segundo a advogada catarinense Silvana Schaarschmidt, de 45 anos. “Solidários e carinhosos, os nova-iorquinos se espremem nas calçadas com os braços erguidos para te oferecer frutas, barra de cereal, bolo caseiro ou o que mais eles pensam que é bom para te dar energia. E muitos erguem as mãos para o tradicional cumprimento high five.”

A festa começa na largada, emoldurada pelo visual da baía do Atlântico na Ponte Verrazzano, em Staten Island e, claro, embalada pelo hino informal da cidade, New York, no vozeirão de Frank Sinatra.

Ponte Verrazano

Na sequência, a prova atinge o charme do Brooklyn e suas “ruas residenciais arborizadas, carinha de vilarejo cool”, segundo Silvana, que correu ali em 2014.

“Nesse bairro, você começa a sentir a energia da população. São famílias inteiras, grupos de amigos, jovens ou idosos, bandas de rock, jazz, blues, fanfarras de colégio e corais”, revela o engenheiro Marcos Peraceli, 48, que fez a Maratona de Nova York duas vezes, em 2014 e 2017.

Depois do Brooklyn, os corredores entram no distrito do Queens e completam quase metade da prova praticamente no plano, com apenas algumas leves subidas.

O bicho pega após o km 21, com o desafio da Queensboro Bridge, 3 km que iniciam as subidas e descidas mais intensas. “Você sobe a primeira metade dessa ponte e desce na segunda, entrando em Manhattan para encarar a 1ª Avenida, longa e inclinada”, alerta Marcos.

Queensboro Bridge

Após o km 30, a prova deixa Manhattan e passeia um pouco pelo Bronx, com mais duas longas subidas. “No retorno a Manhattan, já na 5ª Avenida, vem o trecho mais desafiante. Você está no km 35 e dá de cara com outra subida longa.”

Finalmente os corredores entram nos últimos 5 km: hora de o astral do público e o ambiente inspirador do pulmão verde da cidade, o Central Park, empurrarem os corredores até o fim.

História, sonhos e mitos

A primeira Maratona de Nova York foi organizada em 1970 por Fred Lebow e Vince Chiappetta e ocorreu toda dentro do Central Park. Em 1976 a prova espalhou-se pelos cinco distritos da cidade, num dos sonhos de Ted Corbit, fundador da New York Road Runners, que organiza a prova até hoje: incluir e atrair corredores de todas as raças, gêneros e ritmos.

Central Park

O espírito democrático e conciliador da maratona teve uma das suas edições marcantes em 2001. Menos de dois meses após os atentados de 11 de setembro, a corrida foi disputada como um símbolo de esperança e paz para os competidores e nova-iorquinos.

Décadas antes, dois nomes se consagraram como mitos da Maratona de Nova York: o americano Bill Rodgers, único tetracampeão de NY (1976 a 1979) e a norueguesa Grete Waitz, que correu sua primeira maratona em Nova York em 1978 e venceu; depois foi campeã mais oito vezes — a última em 1988.

No álbum de ouro das provas mais acirradas de sua história, 2004 viu a recordista mundial, a inglesa Paula Radcliffe, superar a queniana Susan Chepkemei por apenas 3 segundos. No ano seguinte, o então campeão da prova, o sul-africano Hendrick Ramaala, foi batido pelo queniano Paul Tergat por mero 0,3 segundo.

Já o Brasil entraria para a história da prova com as duas vitórias de Marilson Gomes (2006 e 2008). Na primeira, uma performance fantástica fez Marilson bater Paul Tergat (3º) e o campeão olímpico, Stefano Baldini (Itália, 5º).

 

Herói e heroínas da Maratona de Nova York

Muitos dos maiores vencedores do desafio de Nova York são pessoas “comuns”. Um desses heróis, bem acima do peso e com nenhuma maratona disputada antes, chama-se Edison Peña.

O ano é 2010. Edison, 34, é um dos trabalhadores presos em uma mina soterrada no Chile. Mesmo 700 metros debaixo da terra, ele mantém a sanidade e a esperança de sair dali trotando todo dia, seguidas vezes, pelo corredor úmido escuro de mil metros onde ele e os outros mineiros resistem.

Quando os mineiros são resgatados, após 69 dias, ele diz que deseja correr Nova York. Seis semanas depois ele corre e caminha na prova, enfrenta uma pausa para atendimento em seus dois joelhos em frangalhos, volta ao asfalto e 5h40min depois de largar, completa a maratona.

O Central Park explode em emoção e lhe oferece nos alto-falantes canções de seu ídolo, o rei do rock Elvis Presley. “Eu quero ajudar outras pessoas a encontrarem a coragem e a força para transcender suas próprias dores”, diz o mineiro após completar sua missão.

Outra história de persistência é a da atleta americana Shalane Flanagan. Fundista de destaque desde o início dos anos 2000, quatro Olimpíadas representando os Estados Unidos na maratona, ela jamais vencera uma prova importante até dominar Nova York em 2017.

A trajetória de Flanagan mudou em 2009, quando passou a treinar com a poderosa equipe do treinador Jerry Schumacher em Portland, Oregon. Se no início era a única mulher do time, ela convenceu Jerry a criar um grupo só de mulheres.

Menos de uma década depois, as 11 fundistas que treinam juntas e elevam o rendimento umas das outras tornaram-se um conjunto formidável.

Além de dominarem o cenário americano, brilharam com um bronze nos 10.000 metros do Mundial de 2015 (Emily Infeld), vitória na maratona de Boston de 2018 (Des Linden) e todas conseguiram disputar os Jogos Olímpicos, em provas de pista ou na maratona.

Shalane demorou a brilhar enquanto catapultava, como líder do time, o triunfo de algumas companheiras, mas jamais duvidou de sua opção.

“Gosto demais de trabalhar com outras mulheres. Isso me torna uma atleta e pessoa melhor e me deu uma paixão ainda maior pelos treinos e provas. Quando conseguimos grandes coisas sozinhas, isso não traz a mesma sensação”, revelou a última grande campeã de NY ao jornal New York Times.

Nada mais fiel ao espírito dessa prova que um grupo de atletas que evoluem porque se ajudam. Porque se gostam. Porque sonharam e batalharam juntas, fiéis à própria essência da maratona mais amada do planeta: a paixão de lutar e correr em grupo.

 

As dicas de quem conhece

Especialista no percurso da Maratona de Nova York, Roberto Mandje, ex-atleta olímpico e atual treinador do grupo New York Road Runners, rodou a América do Sul a convite da New Balance para fornecer dicas sobre o trajeto da major e explicar as razões que a tornam tão especial para corredores de todas as partes do planeta. Em visita ao Brasil, ele afirmou que a prova serve como espelho para outros grandes eventos esportivos do planeta.

“A Maratona de Nova York é a mais global do mundo todo. A cidade concentra gente de todas as partes. Necessitamos levar o melhor para as ruas, seja em segurança, bombeiros ou infraestrutura em geral. Provas como Tóquio e Berlim aprendem conosco como podem ficar melhores a cada ano”, disse.

Com a experiência de quem rodou o mundo disputando competições que iam de 1.500 metros a 21 km, Mandje recomenda que os brasileiros estejam preparados para o clima frio durante a maratona. Enquanto as temperaturas no início de novembro podem ultrapassar os 30º C em cidades brasileiras, na Maratona de Nova York o termômetro gira entre 13º C e 18º C.

“O clima é muito diferente do Brasil. Os brasileiros, pouco acostumados a temperaturas mais frias, precisam se acostumar. Podem começar com uma jaqueta e luvas. Depois do aquecimento, quando o corpo já está mais preparado, tiram tudo”, acrescenta.

Como muitos maratonistas já sabem, o km 30 representa um divisor de águas na prova. É nesse trecho que, para muitos, as pernas começam a fraquejar e a força psicológica se mostra ainda mais vital. Na Maratona de Nova York, o ponto mais duro vem um pouco antes, por volta do km 28, segundo Mandje. Nesse trecho, os participantes atravessam o East River pela Queensboro Bridge e entram em Manhattan.

“Ali não há fãs para dar apoio. O atleta corre 1.5 km sem apoio, só com a presença de outros corredores. Quem já está desgastado mentalmente tem mais chances de trazer coisas negativas para a cabeça”, lembrou Mandje.

*Por Zé Augusto de Aguiar e Pedro Lopes